A invasão do Continente Africano

A invasão do Continente Africano

África diante do desafio colonial
Durante milénios apos o surgimento das primeiras comunidades, África manteve-se livre de qualquer presença estrangeira. Africa encontrava-se organizada em chefaturas, reinos, estados e impérios de dimensões variadas. Existiam ainda territórios habitados por comunidades nómadas.

A fixação de estrangeiros em Africa iniciou por volta do século VI quando chegaram os primeiros mercadores árabes que se fixaram na faixa oriental do continente. A partir desta altura, os mercadores árabes foram-se fixando ao longo da costa, onde fundaram feitorias e entrepostos comerciais, de onde faziam o seu comércio com os africanos trocando tecidos, missangas, artigos de loiça, etc., por ouro, marfim, peles, penas e outros.

No século XV, a expansão europeia no mundo levou a África os primeiros europeus, particularmente para a costa ocidental do continente. Desde esse período, e durante quatro séculos, os europeus foram-se fixando ao longo da costa, dedicando-se ao comércio com as comunidades africanas.

Os europeus levavam de África o ouro, o marfim e os escravos em troca de armas de fogo, bebidas, tecidos e outros produtos manufacturados pela indústria europeia.
Tanto os árabes, a partir do século VI, como os portugueses, entre os séculos XV e XIX, fixaram-se em África apenas movidos por interesses comerciais. A sua preocupação era fazer comércio com as comunidades locais, obtendo, em troca, matérias-primas diversas e escravos.

O povoamento, tanto por mercadores árabes como por europeus, estava limitado a alguns locais ao longo da faixa costeira e, as relações entre africanos cingiam-se esfera económica, comercial, pelo que não havia qualquer forma de dominação dos povos africanos. Eram os chefes africanos que estavam à frente dos seus reinos, estados e impérios e controlavam a actividade produtiva e o comércio com os mercadores estrangeiros.

Com a penetração mercantil europeia em África desenvolveu-se um comércio ligando três principais pólos: África, Europa e América, constituindo-se uma espécie de triângulo comercial.

O Comércio Triangular

O comércio triangular é uma expressão utilizada para designar um conjunto de relações comerciais dirigidas por países europeus entre as metrópoles e os vários domínios ultramarinos, de carácter transcontinental, apoiado em três vértices geopolíticos e económicos: Europa, Africa e América (Norte, Centro e Sul). Embora em plano secundário, existiam também relações comerciais com a Ásia.

O vértice europeu deste comércio assenta nas principais potências navais e políticas do Velho Continente: Holanda, Inglaterra, França, Espanha e Portugal.

Da Europa saiam produtos manufacturados, como armas de fogo, rum, tecidos de algodão, ferro, joias de pouco valor, entre outros artigos. O destino principal era África, donde levavam escravos em troca. Os compradores de escravos adquiriam esta «mercadoria» de europeus ou africanos, quer no litoral, quer no interior. Muitas vezes, eram colonos americanos a comprar directamente em Africa escravos, sem intermediários europeus.

De África saiam escravos para as minas e plantações das Américas. Em troca de escravos, os europeus levavam da América o açúcar, o tabaco, as moedas de ouro e prata (ou em barra, e até mesmo em forma de letras de crédito de praças financeiras como Londres, Bordéus, Amesterdão, Nantes, Antuérpia...).

Então, pode-se falar da pilhagem do Continente Africano antes da ocupação imperialista?
Claro que sim! Além de não conhecer o valor da sua produção, os africanos não tinham a preocupação de obter riqueza através do comércio, mas apenas conseguir aquilo que não produziam. Este facto levou a que os africanos fossem facilmente enganados, fazendo com os europeus o chamado «comércio desigual», Além do comércio desigual, a pilhagem dos povos africanos realizou-se através do tráfico de escravos, que retirou de África o seu principal recurso – o Homem.

O Tráfico de escravos

Uma das práticas mais condenáveis de que há na memoria foi sem dúvida a escravatura, praticada por muitos povos, em diferentes regiões, desde as épocas mais antigas. O comércio de escravos estava fortemente implantado em África, durante milhares de anos, tendo constituído a base da economia de formações políticas africanas como os Ashanti do Gana e os Yoruba da Nigéria. O tráfico e comércio de escravos era intercontinental, existindo referências do comércio de escravos europeus nos mercados africanos já durante o Império Romano.

Na Idade Moderna, sobretudo durante a expansão europeia, houve um florescimento da escravidão com o desenvolvimento de um cruel e lucrativo comércio de escravos entre a Africa e as Américas. Nesta altura, procurava-se justificar a escravidão por razões morais e religiosas e com base na crença da suposta superioridade racial e cultural dos europeus.

O tráfico de escravos de Africa para América teve início na primeira metade do século XVI. Nessa altura, o conhecimento adquirido no fabrico do açúcar nas ilhas da Madeira e de São Tomé, a parir de 1530 e a criação do Governo Geral para o Brasil em 1549, levou a Coroa portuguesa a incentivar a construção de engenhos de açúcar no Brasil. Mas a produção de açúcar esbarrava nas dificuldades no recrutamento da mão-de-obra e na falta de capitais para financiar a montagem dos engenhos de açúcar. Por outro lado, as epidemias que dizimavam os escravos índios obrigaram a Coroa portuguesa a proibir parcialmente a escravatura de índios.

A partir de 1560, com o incremento da produção de açúcar e a descoberta de ouro, no século XVIII, este abominável tráfico intensificou-se.
As condições de transporte dos escravos eram simplesmente degradantes, o que levava a que cerca de 40% dos negros embarcados morressem durante a viagem nos porões dos navios que os transportavam.

No Brasil, os escravos eram levados, normalmente para os portos da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, e dai eram transportados para outras cidades.

Embora tenha sido formalmente abolido em 1830, o tráfico de escravos continuou, principalmente, com os raids dos Piratas da Barbária até ao fim do século XIX.

As rotas do comércio esclavagista

Fig1. As rotas do comércio esclavagista

O impacto do tráfico de escravos foi simplesmente aterrador para África:
  • Alimentou guerras internas pois para os chefes e reis africanos constituía uma importante fonte de acumulação de riqueza.
  • Abalou organizações tradicionais na medida em que, vezes sem conta, as comunidades eram devastadas pelos caçadores de escravos.
  • Destruiu reinos, tribos e clãs que ficaram literalmente despovoados na sequência deste tráfico.
  • Matou, criminosamente, milhões de negros alguns em confronto com os caçadores de escravos grande parte durante a viagem e outros na sequência das sevícias durante o trabalho.
Além das várias consequências negativas, o tráfico de escravos também foi responsável pela implantação de elementos típicos dos africanos como a música, dança, culinária, língua, mitos, ritos e a religião na cultura da América.

O tráfico de escravos entrou paulatinamente em regressão a partir de 1803, com a abolição deste mal na Inglaterra até ser formalmente na segunda metade do século XIX, altura em que o movimento abolicionista atingiu os últimos focos. Entretanto, o fim formal da escravatura nunca foi motivo de real satisfação, sobretudo, para as sociedades mais vulneráveis de África, Ásia e América na medida em que deu lugar a uma prática análoga, o Tráfico de Seres Humanos ou o tráfico de pessoas, que nos últimos tempos tem assumido proporções preocupantes escala mundial.

Segundo o Protocolo Adicional Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças (Palermo, 2000), entende-se por tráfico de pessoas «o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração».

Esta prática visava, essencialmente, fins de exploração sexual e laboral. Muitas vezes, mulheres e crianças eram levadas para fora do pais, onde eram prostituídas, violentadas e vendidas a preços altos. O turismo sexual e o embarque de mulheres para trabalharem em casas nocturnas e boites são a face mais saliente desta triste prática. A estes destinos junta-se a venda de órgãos, adopção ilegal, pornografia infantil, o contrabando de mercadorias, o contrabando de armas e o tráfico de drogas.

O tráfico de seres humanos é um atentado aos direitos humanos na medida em que priva as pessoas dos seus direitos de cidadania mais elementares, e tem impacto dramático nas suas dimensões física, psicológica e emocional, assumindo mesmo a dimensão de uma forma moderna de escravatura. É uma forma de escravidão alicerçada em lógicas de exploração sexual e laboral, associada a fenómenos sociais como a pobreza e a exclusão social.

Algumas organizações internacionais que se ocupam desta problemática como o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a organização «Juntos contra o tráfico de seres humanos» colocam o tráfico de seres humanos entre as práticas criminosas mais lucrativas a par do tráfico de armas e de drogas com lucros que variam entre os 27 biliões e 32 biliões de dólares por ano.

Para estas e outras entidades envolvidas no combate, impõe-se uma intervenção articulada entre os diversos países (de origem e de destino das pessoas traficadas), através de acções de prevenção, repressão e de apoio às vítimas.

A partir de finais do século XVIII e início do século XIX, a atitude dos europeus em relação a África modificou-se. Os europeus, que, até finais do século XVIII não mostravam interesse em penetrar no interior de África, começaram nesta altura a manifestar interesse pelo interior do Continente Africano.

Como é que se explica esta mudança de atitude?

Vejamos algumas razões:

O movimento contra a escravatura

Desde princípios do século XIX, a Grã-Bretanha, a Franga e os outros estados enviaram esquadras militares para os três mares em volta do Continente Africano (Oceano Atlântico, Oceano Índico e mar Mediterrâneo), com a finalidade de combater o tráfico escravagista.

O movimento missionário

As igrejas, em particular protestantes, lançaram-se, no século XIX, num amplo movimento anti-esclavagista, considerando que estava a ocorrer em África um verdadeiro genocídio e sugerindo o controlo, incluindo a conquista, de África pela Europa para acabar com o que estava a acontecer.

A curiosidade científica e o espírito de aventura

Apesar de constituir, desde o século XV, uma das principais fontes de riqueza para os europeus, no século XIX África continuava uma incógnita. Assim, nesse século, uma das maiores preocupações dos europeus era conhecer esse «continente misterioso».

O impacto da Revolução Industrial

Com a Revolução Industrial o papel de África para a Europa modifica-se. Se até ao século XIX África era o principal fornecedor de força braçal às plantações e minas nas Américas, a partir desta altura já não era isso que interessava à Europa. O que os europeus queriam agora era África a produzir matérias-primas para a Europa e a absorver a crescente produção industrial europeia. Apos a Revolução Industrial, os africanos eram mais úteis como produtores de matérias-primas e consumidores da produção industrial europeia nos seus locais de origem do que enviados como escravos as Américas.

As viagens exploratórias

Se as razões expostas justificam o interesse dos europeus pelo interior de África, no início do século XIX ainda não estavam criadas as condições para a penetração, pois «África era uma incógnita». Os europeus não tinham nenhum conhecimento sobre as terras africanas, sobre os seus habitantes, os perigos que os esperavam, nem sobre as vias de acesso.

O avanço para o interior só foi possível graças à acção dos exploradores. Com efeito, desde princípios do século XIX, colunas militares, mercadores e missionários começaram a palmilhar o continente. O objectivo era estudar, fazer o reconhecimento do continente.

As viagens exploratórias ou de reconhecimento tinham como principal objectivo produzir o máximo de informação sobre o Continente Africano e, em particular, sobre as vias e condições de acesso ao interior. Portanto, as viagens exploratórias incidiram sobre as principais vias de acesso ao interior (os rios).

As principais viagens exploratórias

As viagens exploratórias ou de reconhecimento tinham como principal objectivo produzir o máximo de informação sobre o Continente Africano e, em particular, sobre as vias e condições de acesso ao interior. Portanto, as viagens exploratórias incidiram sobre as principais vias de acesso ao interior (os rios).

Os principais itinerários

Na Africa Ocidental, a principal duvida rodava em torno do curso do Níger, que até ao século XIX alimentava as mais diversas interpretações. Para seguir o curso do Níger, a Grã-Bretanha criou em 1778, através de sir Joseph Banks, a Associação Africana.

As duas primeiras expedições foram lançadas a partir da Serra Leoa, com Houghton cabeça e do Egipto, sob a liderança de Hornemann. Os dois expedicionistas sucumbiram diante dos obstáculos que se lhes colocaram. O primeiro foi vítima da hostilidade dos árabes, enquanto Hornemann desapareceu no deserto.

Em 1795 foi a vez de Mungo Park, acompanhado por cerca de 40 homens, partir da Gâmbia. Apos enfrentar verdadeiras agruras, conseguiu chegar a Segu, mas não conseguiu alcançar o destino, Tombuctu e morreu nos rápidos de Bussa, quando tentava seguir até foz do Níger.

No início do século XIX, novas expedições foram lançadas pelo governo britânico. Vejamos:
  • 1821 – Denhan e Hugh Clapperton partiram de Tripoli em direcção ao Chade e conseguiram alcançar Socoto.
  • 1825 – Clapperton foi enviado para a costa da Guiné para tentar localizar o porto de Rakah. Juntou-se depois a Richard Lander, com quem visitou o Yoruba, o Socoto, tendo atingido o Níger. Apos a morte de Clapperton, Richard juntou-se ao seu irmão John, sob a bandeira britânica, percorreram o curso do Níger e, finalmente, representaram num mapa o curso exacto do rio.
  • 1826 – Gordon Laing partindo de Tripoli, alcançou Tombuctu.
  • 1827 – René Cailé partiu da costa da Guiné em direcção a Tombuctu.
Em seguida conseguiu chegar a Fez, no sul de Marrocos.
·       1850 – Henri Barth, alemão que viajou por conta do governo britânico foi o maior explorador da Africa Ocidental. O seu périplo incluiu Air, Haússa e Bornu, o curso superior do rio Benué, Gwandu e Tombuctu. Ao contrário da maioria dos outros exploradores, que se limitou à descoberta de novos objectos geogråficos, Barth fez registos de valor inestimável sobre a Vida das comunidades do interior de África.

Na África Oriental e Central, o principal que se pretendia esclarecer era a nascente do Nilo.
Os primeiros exploradores que passaram pela região foram os missionários Rebmann e Krapf.
Enquanto Rebmann conseguiu ser o primeiro europeu a escalar o cume do monte Kilimanjaro, Krapf traçou um mapa da região, embora com muito pouca informação.
Em conjunto, Rebmann e Krapf compilaram o primeiro dicionário e a primeira gramática suaílis.
Em 1858, foi a vez de Burton e Speke, ao serviço da Sociedade Real de Geografia, descobrirem o lago Tanganica. Com Burton doente, Speke descobriu um grande lago a que chamou Vitória.
Em 1860, Speke contornou o lago Vitória, apercebeu-se de que ai nascia um enorme rio e concluiu tratar-se do Nilo.
Samuel Baker e esposa descobriram o lago Alberto.
David Livingstone foi a maior referência na Africa Central e Austral.

Tendo chegado África do Sul em 1849 atravessou o Calaári, antes de descobrir o lago Ngami e seguiu para Ocidente até Luanda. Depois seguiu pelo Zambeze de Oeste a Leste tendo chegado as cataratas do Zambeze a que chamou quedas Vitória. Em 1856, chegou ao oceano Índico e dois anos mais tarde, descobriu o lago Niassa. Depois alcançou o Tanganhica e o Lualaba. Morreu em 1873, em Africa.

Henri Morton Stanley (1841-1904) veio pela primeira vez a África, em 1858, com o objectivo de convencer Livingstone a regressar a Inglaterra, mas teve de retornar sem sucesso pois Livingstone recusou-se a segui-lo.

Em 1875 retornou a África e, tendo contornado o lago Vitória, confirmou a descoberta de Speke sobre a nascente do Nilo. Constatou que o lago Tanganhica não tinha saída para o norte e que o Lualaba conduzia ao rio Congo.
Com as descobertas de Stanley ficaram esclarecidas todas as interrogações sobre as principais vias de acesso ao interior do Continente Africano.


Bibliografia
SUM7BANE, Salvador Agostinho. H11 - História 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

Comentários