Evolução do Pensamento Geográfico
Evolução do Pensamento Geográfico
Todo o conhecimento científico evolui acompanhando o desenvolvimento geral da sociedade, da tecnologia e do progresso económico-social.
No que concerne à Geografia destacam-se, no seu processo de evolução, dois períodos distintos. O primeiro período começa na antiguidade helenística até ao século XIX, momento em que se inicia o segundo período que se prolonga até aos nossos dias.
No primeiro período não se pode falar de uma verdadeira Geografia científica, mas sim, de um pensamento com incidências geográficas, resultado das influências de conhecimentos acumuladas nas diferentes épocas históricas.
O segundo período inicia-se com o grande salto qualitativo pela Geografia a partir do século XIX com a institucionalização da Geografia em 1870, graças aos trabalhos de cientistas alemães, particularmente o A. V. Humboldt, C. Ritter, os principais modeladores da Geografia moderna.
Na antiguidade
A Geografia nasceu na Grécia antiga, tal como a História, a Matemática e outras ciências. De facto, foram os gregos que criaram a palavra Geografia, os primeiros a reunir e sistematizar informações geográficas que colhiam nas viagens de navegadores e aventureiros, particularmente na bacia de Mediterrâneo, nas terras do norte de África, no sul da Europa, ocidente do mar Vermelho e oceano índico.
A Antiguidade marca o início dos estudos da Geografia. Os gregos reuniram maior número de informações sobre vários aspectos da superfície terrestre, misturados com outros assuntos.
Reconheceram a esfericidade da Terra, fundaram a cartografia, realizaram importantes descrições das terras até então conhecidas. Outros povos do mundo antigo, tais como egípcios, mesopotâmicos, arcádios, persas e assírios, realizaram trabalhos valiosos e muitos deles que se confundiam com a Astronomia. Na Geografia da antiguidade foram muito importantes os aspectos de objetivação, ordenação, selecção e compilação dos conhecimentos adquiridos.
No período grego
O surgimento da Geografia na Grécia, e não noutro sítio, não ocorreu por acaso. Como resultado de um longo processo de reformas iniciado no século VIII a.n.e., a Grécia no início do século V, gozava da hegemonia militar, económica e tinha-se tornado na capital das ciências e centro de negócios ligados à navegação marítima.
A curiosidade científica grega, em relação ao espaço criava interrogações sobre o que existe e onde. Assim, desde cedo, os gregos começaram a desenvolver a Geografia, orientando-se sob duas perspectivas: a via descritiva e a via matemática.
A via descritiva ou corográfica foi desenvolvida por Heródoto e Estrabão cuja preocupação foi descrever paisagens no que concerne às suas particularidades físicas, habitantes e respectivas civilizações.
A via matemática foi desenvolvida por Ptolomeu e Eratóstenes, preocupados com a localização absoluta e precisa dos fenómenos, a elaboração de cartas, a forma e movimentos da Terra.
No seguimento dos seus estudos, estes cientistas elaboraram périplos, que eram cartas ou mapas, indicando as costas marítimas, desenhadas por viajantes, instrumentos valiosos para a navegação da época. O périplo mais famoso é o de Hannon, elaborado por Eratóstenes.
No período romano
Ainda na época clássica, no império Romano, o pensamento geográfico desenvolveu-se sob impulso das conquistas do espaço por via militar.
Neste contexto, foram elaborados itinerários (cartas simples, sem escala, representando as terras e principais caminhos concêntricos cidade de Roma). Tratava-se, pois de mapas concebidos para responder as exigências militares e comerciais do império. Orientando-se pelos objectivos descritos, os romanos desprezaram os métodos matemáticos e cartográficos dos gregos que têm na tábua Peutinger um dos exemplos mais notáveis e cuja cópia se mantém até hoje no museu.
O período grego-romano é rico em contribuições de notáveis pensadores e geógrafos.
Observa com atenção o quadro seguinte:
Nome e Tempo | Obra ou Contributo |
Anaximandro de Mileto (611 - 547 a.C.) | • Discípulo de Tales de Mileto, filósofo e astrónomo. • Iniciou a Geografia Matemática. • Elaborou o 1o. mapa da Terra. • Defensor do Geocentrismo; para ele a Terra era um cilindro. • Inventou o Gnomon, que permitia determinar os movimentos da Terra. • Deixou relatos das suas viagens. • Considerou a Terra um corpo celeste isolado, de forma cilíndrica e habitada na parte superior. |
Hecateu de Mileto (560 - 480 a.C.) | • Continuador dos trabalhos iniciados por Anaximandro, historiador grego. • Defendeu que a Terra era um disco com água à sua volta. • Descreveu os povos e a zona Mediterrânica. |
Parménides (510 – 450 a.C.) | • Foi o primeiro a admitir a forma esférica da Terra, com base em ideias filosóficas. • Filósofo eminente. |
Heródoto (484 – 424 a.C.) | • Fundador da Geografia descritiva. • Viajante, conheceu grande parte do mundo até então desconhecido, tendo feito importantes descrições. • Pai da História; elaborou muitas descrições geográficas. • Publicou obras importantes de Geografia e História. • Deu a génese das ideias deterministas. |
Piteias de Marselha (Séc. IV a.C.) | • Foi astrónomo, matemático e viajante com muitas anotações. • Foi o primeiro a empregar a expressão «Ilhas Britânicas». • Repetiu o périplo de Himilcão. |
Hipócrates (460 – 377 a.C.) | • Médico, defendeu ideias deterministas em que o clima e o relevo influenciam o desenvolvimento físico, intelectual e psicológico dos seres vivos. |
Aristóteles (384 – 322 a.C.) | • Filósofo, elaborou obras em 14 volumes. • Provou a esfericidade da Terra, já defendida por Parménides (510-450 a.C.). • Utilizou o termo meteorologia para descrever o que citam ou o termo «ciência da natureza», que incluía a atmosfera e os aspectos hídricos. |
Alexandre Magno (356 – 323 a.C.) | • Monarca da Macedónia morreu muito jovem depois de expedições e conquistas. • A expedição para o Próximo Oriente foi acompanhada por cart6grafos, topógrafos que produziram trabalhos mais tarde depositados na biblioteca de Alexandria. |
Dicearco (326 – 296 a.C.) | • Pode-se considerar fundador das coordenadas latitude e longitude. • Construiu um mapa-mundo com sistema de coordenadas. |
Eratóstenes (256 – 196 a.C.) | • Trabalhou na redacção dos catálogos da biblioteca de Alexandria; acreditava na esfericidade da Terra. • Considerado o primeiro geógrafo a questionar o posicionamento, a forma, a dimensão e a representação. • Aperfeiçoou o mapa de Dicarco. • Preocupou-se com a localização absoluta dos lugares. • Dividiu a Terra em meridianos e paralelos e às áreas rectangulares deu o nome de Eufrágides. |
Hiparco (190 – 125 a.C.) | • Grande astrónomo da antiguidade. • Aperfeiçoou o sistema de coordenadas de Eratóstenes. • Definiu climas, reduzindo-os a espaços entre paralelos: com 11 paralelos e 11 meridianos. • Projectou a esfera terrestre no Plano. • Dividiu a circunferência em 360 oC e 1º elemento da Geometria. • Determinou a distância Terra/Sol/Lua. |
Posidónio (Séc. II a.C.) | • Preocupou-se com a medição da Terra e estudou as marés. • Estudou os fenómenos do mar e a influência da Lua sobre o Mar. • Desenvolveu teorias sobre os sismos e vulcanismo. |
Estrabão (64 – 21 d.C.) | • Considerado o pai da Geografia e também historiador. • Elaborou e publicou 1 7 volumes de Geografia Descritiva e Regional. • Viajante, com descrições dos lugares visitados, incluindo informações de geógrafos anteriores. • Deu carácter selectivo e regional as suas descrições. |
Ptolomeu (90 – 168 d.C.) | • Foi o último geógrafo da antiguidade sob o domínio romano, autor da obra de composição matemática, «O almagesto», sobre a concepção geocêntrica da Terra. • Condensou grande parte do material científico conhecido até ao seu tempo. • Elaborou o primeiro mapa-mundo, acompanhado por 26 mapas detalhados (veja Fig. 26). • Dividiu a Terra em zonas não dando destaque aos aspectos físicos e humanos. |
Na época medieval (séculos V-XIV)
Muitos pensadores consideram a idade medieval uma fase de retrocesso face ao desenvolvimento científico iniciado no período grego.
A derrocada do império romano do Ocidente em 476 d.C. criou condições de fragmentação e isolamento do grande império, ao mesmo tempo que ocorria o estabelecimento de povos invasores (germânicos, hunos, mongóis e turcos) no espaço do antigo império Romano.
Por outro lado, as invasões criaram no império um clima de caos e de vazio de poder que criou condições para a implantação do Cristianismo no ocidente e a afirmação do pensamento cristão como forma de pensamento dominante.
O contexto histórico da época medieval contribuiu para a fragmentação e isolamento no antigo império, retraindo tanto o desenvolvimento científico, como a circulação de homens de ideias. Por outro lado, a cultura científica passou a ser dominada pelos monges que vão desenvolver um ambiente fechado e orientado aos interesses pessoais e divinos.
A idade medieval é, portanto, dominada pelo Teocentrismo, isto é, a visão do mundo luz de Deus. A religião sobrepõe-se à ciência. A bíblia passou a dar resposta as interrogações do Homem relacionadas com os fenómenos da Natureza.
No que concerne à Geografia, a época medieval foi marcada por um certo retrocesso, pois a cartografia perdeu o carácter científico alcançado na idade grega, enquanto o mapa-mundo passou a ser uma espécie de disco circular, com o nome de mapa T em O onde Jerusalém; o principal Pólo da cristandade, ocupava o centro e o T separava os três (3) continentes até então conhecidos: Ásia, África e Europa.
Mas a Idade Média registou igualmente alguns progressos como o aumento do horizonte geográfico graças à expansão árabe a partir do século VIII e a divulgação das obras geográficas helenísticas-Romanas no vasto império árabe, do Afeganistão ao Atlântico. Por outro lado, melhorou o conhecimento geográfico e cartográfico movido pelos interesses económicos, políticos e religiosos dos árabes.
Finalmente, a expansão dos árabes e o contacto com os indianos, chineses, resultou em descrições geográficas de qualidade, particularmente as de Ibn Batuta e Al-Idrisi, dois viajantes e geógrafos árabes.
O conhecimento geográfico na Idade Média também se ampliou como resultado da acção dos normandos, povos vindos do norte da Europa. Grandes aventureiros do mar, os normandos enfrentaram as difíceis condições do Mar do Norte até alcançar o Atlântico Norte, a Islândia e a Groenlândia. Estas viagens ampliaram o espaço geográfico conhecido, apesar do pouco aproveitamento comercial e científico.
Estes povos dirigiram-se, igualmente, à Ásia, movidos por interesses comerciais e religiosos. Neste âmbito foram destacados embaixadores para a Mongólia com o objectivo de estabelecer relações com o grande Khan, chefe Mongol. A primeira viagem ocorreu em 1245, organizada pelo Papa Inocêncio IV e chefiada por Piar de Carpine em 1252; o rei de Franca organizou a 2.a missão comandada por Guilherme Rubruck.
Outra contribuição importante dada pela Geografia na época medieval foram os relatos descritivos das viagens de Marco Polo (1271-1291), incidindo sobre a cultura, o comércio, os produtos do solo, desenvolvimento industrial e as rotas a seguir.
Esta obra, conhecida como o livro das maravilhas, contribuiu para o alargamento do conhecimento do mundo dado que estas viagens permitiram aos europeus conhecer novos espaços culturais e povos.
Na época moderna (séculos XV-XVIII)
O período que compreende os séculos XV-XVIII marca uma viragem no desenvolvimento do pensamento geográfico. Há uma espécie de renascer da geografia grega que ao longo de aproximadamente 10 séculos foi sendo substituída por uma geografia teocêntrica ou teológica.
Esta importante mudança no pensamento geográfico esteve ligada à influência dos árabes, bem como às expedições europeias para a Asia, África e América que permitiram Europa o acesso a novas informações e criaram rupturas no pensamento fechado.
Vasco da Gama, Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães contam-se entre os principais responsáveis dos progressos da Geografia na época moderna.
A acção dos árabes no desenvolvimento do pensamento geográfico consistiu na difusão, na Europa, de conhecimentos e meios de navegação como a caravela, a bússola, o astrolábio graduado e os portulanos que tornaram possíveis as viagens e descobertas geográficas.
No que diz respeito ao âmbito de abordagem, a Geografia da idade moderna preocupou-se em analisar a estrutura da Terra, forma, dimensões, com uma influência de obras clássicas e de uma geografia de orientação matemática e corográfica.
Protagonistas das descobertas
Cristóvão Colombo — Viajante, marinheiro genovês ao serviço dos reis católicos da Espanha parte em 1492 em busca da rota para a Índia, descobrindo, em vez da Índia, as ilhas Bahamas, Cuba e Hispaniola, na América Central. Uma vez na América, Colombo julgou ter alcançado a Índia, uma convicção que manteve até à sua morte.
Vasco da Gama — Navegando ao serviço da coroa portuguesa com a missão de descobrir o caminho marítimo para Índia, deixou Portugal a 8 de Julho de 1497. Após passar o natal em Durban, África do Sul, navegou pelo Índico, aportou em Inhambane e na Ilha de Moçambique. Antes de chegar ao destino, Vasco da Gama fez ainda escala em Mombaça e Melinde, onde terá recebido mapas, instrumentos náuticos e um piloto árabe, facilitador para chegar à Índia.
Fernão de Magalhães – partiu da Espanha em 1519, em direcção a sul, e alcançou o estuário do rio prata no início de 1520. Em Outubro do mesmo ano chega ao estreito conhecido hoje pelo seu próprio nome, estreito de Magalhães. Navegou pelo Pacifico rumando para norte, chegando as Filipinas em Margo de 1521. Terminou o seu sonho ao ser morto depois de luta com uma população local. Entretanto, os sobreviventes prosseguiram a viagem em direcção a Sul, passando pelo oceano índico, Cabo de Boa Esperança até chegar a Espanha em 1522, com uma das cinco caravelas com que iniciaram a viagem. Deste modo, realizou-se a viagem de circum-navegação.
Impacto das viagens para a Geografia
As viagens, movidas por diversos interesses, tiveram uma importância inestimável para a Geografia ao ampliar o espaço geográfico conhecido, os continentes africano, asiático, americano e australiano e levar a que a Antártida passasse a fazer parte dos espaços conhecidos.
As descrições das terras conquistadas e a intensificação das comunicações náuticas em todos os sentidos permitiram, por seu turno, impor uma representação cartográfica cada vez mais aperfeiçoada. substituindo mapas antigos por novos de projecções cartográficas e com mapas detalhados.
Entre as principais criações cartográficas desta época destacam-se as Cartas - Portulanos, que diferentemente dos mapas antigos, apresentam detalhes dos contornos do litoral, (importantes para os navegadores), vários acidentes geográficos, direcção dos ventos, etc. Foram, igualmente, produzidos Atlas e reproduzidas muitas obras com ajuda da invenção da imprensa por Gutemberg em 1440.
Bibliografia
WILSON, Felisberto. G11 - Geografia 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.
Conteúdo muito útil, Moçambique agradece!
ResponderEliminarNão sabes o quão feliz eu me sinto ao ler uma mensagem como a tua. Obrigado pela apreciação!
EliminarAgradeço bastante
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