As Grandes Correntes Geográficas: Corrente determinista, Corrente possibilista, Corrente corológica

 As Grandes Correntes Geográficas

O século XIX foi particularmente rico em transformações políticas e sociais que tiveram impacto no domínio do pensamento em geral e da Geografia em particular. Entre esses factores, há a destacar o ambiente económico da época em especial a, Revolução Industrial na Europa, cujo impacto pode ser resumido no seguinte:
  • Considerável evolução da sociedade e da curiosidade científica e intelectual, que estimularam o debate sobre a diferenciação do espaço e o estudo da relação Homem-Meio.
  • Aumento do interesse económico das classes dominantes, particularmente da burguesia, em conhecer profundamente as colónias.
  • Desenvolvimento científico e técnico nos séculos XVIII e XIX.
  • Difusão das informações científicas e filosóficas e particularmente os trabalhos de A. V. Humboldt e C. Ritter.
Todas essas premissas criaram condições para uma nova abordagem da Geografia apoiada por ciências naturais e sociais, incidindo na perspectiva ecológica e corológica da Geografia.

As principais correntes são:
  • Corrente determinista geográfico
  • Corrente possibilista geográfico
  • Corrente corológica.

a)   Corrente Determinista

A corrente determinista também conhecida por determinismo geográfico, foi fundada por Frederich Ratzel (1844-1904) pertencente à escola alemã. Os trabalhos de F. Ratzel marcaram o início de um debate de ideias sobre a Geografia, mais tarde seguidas pela escola francesa, americana, Círculo de Viena e um pouco por todo lado. De acordo com esta teoria, o objecto de estudo é o Homem-Meio, numa relação unívoca, por isso acredita-se na submissão do Homem às leis da Natureza.

As condições naturais, em especial as condições climáticas é que determinaram a evolução do Homem, e consequentemente da sociedade.
A corrente determinista, preocupada na relação Homem-Meio foi fundada por F.  Ratzel. Mais tarde Ellen Semple e William Davis também defenderam esta corrente.

Bases da corrente determinista

F. Ratzel apoiou-se na teoria da selecção natural de Charles Darwin em que os conceitos de organismo, de metabolismo, de luta, de selecção natural passam também para análise de fenómenos socioeconómicos. Darwin chegou a uma conclusão que revolucionou o pensamento clássico: «A luta pela Vida não é mais do que uma forma de selecção natural, na qual certas espécies privilegiadas possuem todas as condições para sobreviver, enquanto que as desfavorecidas ou fracas estão condenadas extinção».
Partindo desta ideia defendeu que os povos ou os estados fortes devem dominar os fracos.

A corrente determinista apoia-se também no positivismo de August Comte que defende que o pensamento evoluiu em forma de progressão a três níveis:
  • Estado teológico onde a explicação é com base nas forças sobrenaturais.
  • Estado metafisico (simples modificação geral do primeiro) onde os agentes sobrenaturais são substituídos por formas abstractas, verdadeiras entidades.
  • Estado positivo, no qual a explicação dos fenómenos é feita com base na observação e na razão, considerando as relações causa-efeito entre os fenómenos.

Os Princípios do Determinismo

O determinismo de Ratzel sustentou-se em dois princípios
1. «Todo o facto geográfico é explicável através das suas causas».
2. «Quando as causas estão reunidas, o facto produz-se.»

Partindo destes postulados positivistas darwinistas, Ratzel estabeleceu leis gerais, em que o primado é o meio físico sobre o Homem e concluiu que para meios físicos iguais, corresponderá uma organização social idêntica, defendendo a passividade do Homem perante as leis da Natureza.

Os métodos do determinismo

A corrente determinista foi muito marcada pelos métodos comparativos, apoiando-se nos princípios da casualidade e de extensão, recorrendo explicação dedutiva-comparativa, para a formulação de leis e verificação das relações causa-efeito.

Contribuição e aplicação do determinismo As ideias de Friedrich Ratzel tiveram eco nos círculos científicos e políticos da Europa e da América do Norte, particularmente os políticos, que encontraram na base teórica a justificação do expansionismo colonial, ao defender que os estados fortes deviam aumentar os seus espaços à custa dos estados fracos; as raças fortes deviam dominar as fracas e submeter povos tropicais à dominação colonial, expandindo assim a civilização europeia de orientação cristã.

Embora possamos fazer várias críticas ao determinismo geográfico, é lícito que se destaque algum mérito para esta teoria na medida em que permitiu:
  • Manter a unidade entre a Geografia Física e Humana.
  • Sistematizar a Geografia e criar um objecto Único da Geografia.
  • Garantir o cientismo e unidade da Geografia.
  • Estabelecer que as relações Homem-Meio são básicas para a análise geográfica e formulação de leis gerais para a Geografia.

Continuadores de Ratzel

O determinismo geográfico teve muito impacto no pensamento geográfico, atraindo muitos seguidores. Na América do Norte, por exemplo Ellen Semple (Determinismo ambiental) e William Morris Davis (Determinismo climático) foram os seguidores.

Ellen Semple defendia que os climas são determinantes para a saúde mental e física do Homem. O estudo dos indivíduos deve ter em conta sempre o seu habitat.

Por sua vez, William M. Davis prestou mais atenção Geografia Física: defendia que a sociedade humana devia ser encarada como um organismo e que só podia sobreviver com base nos ajustamentos ao meio físico. Considerava a superfície terrestre, o objecto de estudo da Geografia.

O surgimento de várias correntes contestadoras do Determinismo Geográfico não eliminou totalmente esta visão. A prova mais evidente é a teoria do espaço vital que no século XX foi suporte do expansionismo e nacionalismos radicais na Europa que levaram o mundo à II Guerra Mundial.

b)   Corrente Possibilista

Esta corrente surgiu nos finais do século XIX e marcou o pensamento Geográfico até 1950.
A corrente possibilista resulta da evolução científica e de todo o debate científico e filosófico de então.

Tinha como objectivo opor-se ao determinismo geográfico, sobretudo na questão de submissão do Homem ao meio ambiente e no objectos além disso o possibilismo queria combater os excessos da escola alemã no que se refere a passividade do Homem perante ao meio.

Portanto para a corrente possibilista, não há uma submissão fatal do Homem ao Meio, mas sim várias possibilidades que a sua disposição pode ou não valorizar.

Objecto de estudo

De acordo com esta corrente, a Geografia possui dois objectos de estudo: o Homem para a Geografia Humana e a Terra para a Geografia Física. Ou seja, estabelecem-se relações biunívocas; Homem-Meio que definem a reciprocidade e não a dependência como acontece no Determinismo.

O Possibilismo defende que o Homem pode optar perante as várias possibilidades que o Meio oferece para desenvolver um género de Vida próprio.

O Possibilismo apoia-se na corrente filosófica neo-idealista e neo-kantiana que divide a matéria e o espírito do pensamento e no historicismo para explicação da realidade social.

Método de estudo do Possibilismo

O Possibilismo deu muita importância ao método historicista e indutivo analítico. Por isso, Vidal De La Blache estruturou o seu estudo na análise do meio físico, seguido pelo estudo das formas de ocupação e finalmente o impacto da integração do Homem no seu habitat.

Para Vidal de La Blache a observação, localização, descrição e interpretação de cada paisagem com ajuda do método indutivo e historicista e o seu resultado conduzem ä elaboração de monografias que retratam as regiões vidalianas.
A análise regional e morfo-funcional não deve chegar à formulação de leis gerais nos fen6menos humanos.

Vidal De La Blache (1845-1918) o pai da Geografia regional pertence à escola francesa. Foi professor universitário em Paris com muitos trabalhos publicados sendo responsável pela revista Annales de Geographie. Estudou muitas zonas rurais, defendia que a Natureza põe e o Homem dispõe. Valorizava a acção humana e, além disso, dizia que os fenómenos deviam ser estudados na sua região tendo como base as análises regionais e passando para uma análise morfo-funcional.

Críticas ao Possibilismo Geográfico

Vários círculos científicos opuseram-se ao possibilismo geográfico, particularmente na questão de criar dois objectos de estudo para a Geografia e por negar a formulação de leis gerais mesmo para os fenómenos físicos.

Por outro lado, critica-se no Possibilismo o facto de prestar mais atenção à análise das zonas rurais em detrimento das cidades numa altura em que a cidade já era o Pólo de desenvolvimento da humanidade.

Finalmente, consideram os críticos do Possibilismo que os seus estudos e posição ideográfica ameaçaram a unidade da Geografia.

c)   Corrente Corológica

As origens desta corrente remontam antiguidade, mas foram revigoradas por Kant no século XVIII, ao acentuar o carácter regional, descritivo e ideográfico da Geografia e tem Alfred Hettner seu fundador.

A corrente corológica analisa a região em termos de estrutura e funções, pretendendo criar uma ciência unificada, através de uma análise lógica, baseada em novos conceitos de Física e com uma linguagem comum a todas as ciências.

Em termos metodológicos, a corrente corológica usa um método dedutivo, ao considerar que todo o trabalho científico consiste em propor teorias e avaliá-las. Os neopositivistas apoiaram-se nas teorias de jogos e teorias de sistemas para resolver os problemas globais e erguer um futuro seguro.

Ambiente do seu surgimento

Como as demais correntes de pensamento e em particular geográficas, o surgimento da corrente corológica esteve ligado ao contexto do século XX que se caracterizava por:
  • Crises sociais e económicas dos anos 30/40 do século.
  • Europa abalada pela 2a Guerra Mundial.
  • Falsa urbanização.
  • Excessos populacionais.
  • Desemprego e conflitos sociais.
  • Racismo nas cidades.
Diante desta realidade, muitos países europeus colocaram o Estado na direcção das economias, impondo o que se chamou capitalismo monopolista do Estado. O desenvolvimento implicaria uma nova divisão do trabalho, tornando-se imprescindível uma planificação regional e urbana.

Havendo situações de crise na Europa e na América era preciso encontrar soluções vindas das ciências sociais e em particular da Geografia.

Entre os principais suportes filosóficos da corrente corológica podem-se apontar o Neopositivismo ou Positivismo Lógico do Círculo de Viena, o Existencialismo e a Fenomenologia.

Com base nas ideias das referidas ciências, a Geografia passou a ser uma ciência unificada, recorrendo às ciências exactas e à Lógica. Mais ainda, procura uma linguagem comum, um raciocínio lógico, nega a divisão das ciências geográficas, dá muita importância à probabilidade e procura formas de expressão com outras ciências, particularmente o uso da linguagem Matemática e Estatística, servindo-se da Informática e da Cibernética.

Ainda segundo a Corrente Corológica, a Geografia devia trazer soluções dos seguintes problemas:
  • Como construir uma fábrica?
  • Onde?
  • Que vias de comunicações a construir?
  • Como construir uma fábrica, como organizar uma cidade?
  • Resolver problemas ambientais, urbanos e económicos.
Principais variantes da Corrente Corológica
  • ü  Escola de Chicago;
  • ü  Nova Geografia;
  • ü  Geografia Radical.
  • 1)    A Escola de Chicago
Desde o século XIX, Chicago tornou-se, no contexto da Revolução Industrial que teve início no século XVIII na Inglaterra, um dos principais pólos de desenvolvimento dos Estados Unidos da América.

O desenvolvimento industrial e a urbanização a ele subjacente conduziria ao êxodo rural. Por outro lado, Chicago e outras cidades americanas vêem aumentar os fluxos de emigrantes asiáticos, europeus, latinos, americanos e africanos. Desse processo resultará um crescimento da população urbana com novas exigências em habitação, vias de comunicação, abastecimento em viveres, serviços sociais, etc., além da emergência de problemas ligados gestão urbana, racismo e xenofobia.

Ora, este conjunto de problemas aguçava a sensibilidade de estudiosos, políticos e outros quadrantes sociais. Foi neste contexto que os geógrafos de Chicago começaram a debruçar-se sobre os problemas que afectavam a cidade, procurando dar-lhes uma resposta.

Surgia assim a Escola de Chicago que em relação a esta problemática propunha uma solução sustentada pelas ideias ecológicas de Darwin. A cidade é vista como órgão animado em movimento, com um processo de reajustamentos, invasão, assimilação e rejeição.

São considerados processos de competição pela posse do espaço, com uma visão estrutural e funcional que passa pela elaboração de modelos. O mais representativo é o modelo de Burgess com anéis concêntricos do centro à periferia da cidade.
  • 2)    Nova Geografia
As principais ideias sobre a Nova Geografia encontram-se nos livros de geógrafos do Círculo de Viena que emigraram para os Estados Unidos nos anos 50, fugidos da II Guerra Mundial. Entre essas obras temos «Excepcionalism in Geography» de Fred Schaefer, 1953 e «The Oritical Geography», de William Burge, 1962.

Nestas obras, os seus autores condenam a concepção possibilista da Geografia ao considerá-la uma ciência ideográfica e regional.
Para eles, a Geografia tem de ascender ao estatuto de ciência, com uma perspectiva genérica, que permita a formulação de leis que regem a distribuição espacial dos fenómenos na superfície terrestre.

A Geografia devia dispor de teorias básicas necessárias para a formulação de hipóteses, que posteriormente podem ser verificadas experimentalmente.
A Nova Geografia associa os métodos indutivo e dedutivo nas suas análises. Entretanto, o uso abusivo de linguagem matemática torna imperioso o tratamento estatístico, dando lugar à designação de Geografia Quantitativa.

A localização de fenómenos deixa de ser de forma absoluta, passando a ser relativa.
Schaefer altera substancialmente o conceito de espaço vidaliano ao individualizar o espaço e usá-lo como um critério de classificação.

  • 3)    Geografia Radical
A geografia Radical surgiu depois da Segunda Guerra Mundial sustentando-se ideologicamente no Marxismo. Perante o ambiente de pós guerra, os geógrafos começaram a preocupar-se com a pobreza, com os países em vias de desenvolvimento e com os problemas que a população enfrentava. 

As ideias básicas da Geografia Radical estão contidas nas obras de David Harvey, 1972, «Explanation in Geography» e nos artigos da revista Antípode «A Radical Journal of Geography» editada por Richard Peet depois da 2.a Guerra Mundial.

As premissas desta tendência da Geografia estão ligadas aos aspectos da ordem social, segregação racial nas cidades americanas, às revoltas dos negros na América nos anos 60-70, à Guerra do Vietname, aos problemas ecológicos, aos aspectos de ordem científica, particularmente as questões dos modelos da Nova Geografia, considerados bastante simples para representar realidades muito complexas.

A Geografia radical surge, portanto, propondo o combate ao conservadorismo e exigindo novas instituições capazes de resolver os problemas globais que afectam a sociedade. Insistem na alteração dos objectivos e vão aproveitar-se de muitos métodos quantitativos para a construção de uma sociedade mais justa.

Bibliografia
WILSON, Felisberto. G11 - Geografia 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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