Perspectivas de análise do conhecimento

 Perspectivas de análise do conhecimento

Perspectiva filogenética

É importante compreender como evolui a Vida para compreendermos a própria emergência do conhecimento.
Na perspectiva filogenética (evolução das espécies), os estudos antropológicos e paleontológicos dão-nos conta de uma progressiva transformação do sistema nervoso, desde os primeiros animais invertebrados até ao Homem.
      Tais transformações devem-se a um processo natural de selecção e adaptação. Assim, por exemplo, um lago ou um mar que secam só deixam possibilidades de sobrevivência aos peixes que possam respirar o ar atmosférico.
       Por outro lado, há sentidos que pelas capacidades que despertam na adaptação ao meio precisam de evoluir. Desta forma, a confiança cada vez maior no sentido da visão revela uma evolução biológica do peixe para o Homem, traduzindo um processo biogenético de adaptação daquele sentido ao meio.
     O sentido da visão na nossa Vida é de tão grande importância que se alguém de nós tivesse de escolher entre o perder o tacto ou a visão, sacrificaria sem hesitar o primeiro.
O ajustamento anatómico ao sentido da visão é de tanta importância que 2/3 de todas as fibras nervosas que entram no sistema nervoso central humano vêm dos olhos.
     Tal evolução, num estado superior, revela-se na coordenação dos olhos com as mãos, possibilitando viver em Cima das árvores e criando condições para qualquer actividade humana que implique o uso de instrumentos Homo faber.

Da mesma forma se poderá verificar que a capacidade de uso de instrumentos (facilitada pela coordenação dos olhos com as mãos) está também ligada a um espantoso desenvolvimento do cérebro.
      À medida que a massa cinzenta aumenta, aumenta a habilidade (capacidade de resolver problemas). Mas a coordenação dos olhos com as mãos só é possível se o desenvolvimento do cérebro for acompanhado por um desenvolvimento anatómico do corpo.
      Desta forma, a actividade cognitiva processa-se do biologicamente vivido «consciência de si». Não basta, por isso, o que somos, é preciso conhecermos o processo bio-psico-social que resultou no que somos.

A libertação das mãos para o trabalho (conquista da posição bípede) viria a tornar possível a manipulação dos objectos e, consequentemente, a organização dos símbolos que facilitariam a comunicação e a linguagem.
 
Fig. 3: Homo sapiens

O Homo sapiens surgiu, assim, numa fase adiantada do desenvolvimento bio-psíquico-social, em que as actividades preceptivo-motoras passaram, através da experiência, tornando possível a interiorização da imagem que, por sua vez, constituíram suporte de linguagem e de reflexão.

É neste sentido que o Homem surge como único da natureza cuja actividade motora se encontra ao serviço da representação e, por sua vez, do conhecimento intelectual. O macaco, por exemplo, não tem uma relação consciente com o objecto. As múltiplas formas de expressão — gritos, gestos, etc. referem-se sobretudo ao aspecto emocional da situação biologicamente vivida.

O simples gesto de indicar só aparece no Homo sapiens. Tal gesto implica a interiorização da imagem do objecto (representação), isto é, a relação mais elementar da consciência com o objecto, como objecto exterior.
       O animal conhece bem o objecto exterior, mas a exterioridade do objecto não se destaca para ele da sua própria organização sensório-motora. O gesto leva ao signo e do signo (associação do significante e do significado) surgiu o conceito, que permitiu a linguagem e o pensamento abstracto.

Perspectiva ontogenética

Um psicólogo contemporâneo, Jean Piaget, fazendo um estudo unificado da Psicologia com a Biologia, elaborou o que ficou considerado como Teoria de Equilibração, onde afirma existir uma inter-relação individuo/meio, com vista a uma resposta cada vez mais adequada ao meio. E, tal como acontece no desenvolvimento filogenético, assim acontece no desenvolvimento do individuo (formação e desenvolvimento de estruturas cognitivas).
       Segundo Piaget, a criança não é um adulto em miniatura, o seu desenvolvimento mental progride através de estádios (fases) definidos, os quais têm uma sequência fixa, embora as idades que os balizam possam variar, conforme as oportunidades de aprendizagem.
Neste processo de adaptação do individuo ao meio há actividades que se inter-relacionam (sistema de implicações.

É assim que, por este sistema de implicações, a criança, através da acção sobre os objectos (o meio), vai formando e desenvolvendo noções de espaço, tempo e número, que lhe permite apreender o meio.
    Tal acção é sempre resultado da inserção do sujeito no meio, o qual determina a necessidade (procura do bem-estar biológico, interesse) de intervir no meio.
      Para Piaget, a necessidade é sempre um desequilíbrio que obriga a uma equilibração que, por sua vez, corresponde a um ajustamento orgânico, desenvolve novas necessidades e novas adaptações, um processo progressivo de equilibrações.

As estruturas cognitivas possuem, no entanto, uma situação particular de equilibração: por um lado, a necessidade que leva à estruturação não se impõe desde o inicio, mas desenvolve-se ao longo da maturação da criança, fruto da intervenção de factores neuro-fisiológicos, motores e socioculturais; por outro, as relações entre assimilação e acomodação apresentam características diferentes das estruturas biológicas propriamente ditas.

Piaget considera que existem quatro factores que influem no desenvolvimento mental, a partir de uma estrutura nervosa hereditária, e o desenvolvimento da inteligência é influenciada por estes factores inter-relacionados:
  • Maturação orgânica – particularmente do sistema nervoso.
  • Experiência – como acção e movimento, que lhe permite organizar os objectos e o pensamento que os envolve.
  • Interacção social – a criança sofre influência do meio sociocultural que a envolve. Essa influência manifesta-se logo na imitação, primeiro sintoma da sociabilização da criança. A criança antes de ser ela própria, é já os outros: a maneira de fazer e ver que outros têm.
  • Equilibração – que permite reunir a maturação, a experiência e a sociabilização de modo a construir e reconstruir as estruturas mentais.
O nascimento e o crescimento apresentam-se, assim, como construção continua até adolescência, influenciados por factores referidos (a maturação, a experiência, a sociabilização e a equilibração). Essa construção continua de estruturas cognitivas desenvolvem-se por períodos ou estádios. Piaget aponta quatro estádios do desenvolvimento cognitivo.
  • 1º Estádio — Período sensório-motor
Este período vai desde o nascimento até aos dois anos, aproximadamente. A criança, começando apenas por possuir sensações internas (prazer, dor...) é capaz depois de acompanhar com o olhar um objecto que se desloca lentamente, no seu campo visual. Através do movimento, vai reconhecendo a autonomia dos objectos e reconhecer-se como diferente deles.
       O pensamento infantil até aos dois anos de idade está subordinado ao registo sensorial e motor. Este registo é exclusivamente seu e não das experiências alheias. É através do fazer que a criança conhece.
  • 2º Estádio — Período pré-operatório
Este período começa com o estágio simbólico e vai até cerca de 5 a 6 anos. Durante este período, a criança desenvolve a inteligência representativa. No início, a representação (imagem mental) está muito limitada ao tempo e ao espaço. Aos poucos vai desenvolvendo uma actividade mental essencialmente imaginativa, dando a tudo o que a rodeia um significado muito pessoal e de acordo com os seus desejos. Ainda permanece um estado de confusão entre o mundo objectivo e o subjectivo.
       A comunicação é feita na base da imitação, o que constitui processo de sociabilização. A linguagem vai acelerar este processo, proporcionando à criança um melhor relacionamento com a família e a sociedade.
       Manifesta interesse pela experiência exterior e vai enriquecendo o seu vocabulário.
  • 3º Estádio — Período das operações concretas
     Começa com o pensamento operacional, dos 5 aos 8 anos, e vai até as operações concretas, por volta dos 12 anos. Nesta fase, a criança mostra capacidade para poder realizar acções mentais interiorizadas. Não precisa de recorrer à manipulação de objectos, podendo invocá-los. Através da imagem junta, dissocia e classifica mentalmente. É a fase das operações mentais.
       O raciocínio ultrapassa a situação actual, coordena o anterior e o presente, mas ainda se desenvolve em função da realidade visual e não em função da abstracção. Desenvolve-se também o sentido de cooperação no grupo. A consolidação das operações mentais leva necessidade de organizar os conhecimentos que vai adquirindo de forma sistemática.
  • 4º Estádio — Período das operações formais
    Período que ocorre dos 11/12 anos até à adolescência - 15/16 anos de idade. O pensamento liberta-se dos domínios do real e do concreto, para abranger o universo do possível e abstracto. O raciocínio pode, agora, fazer deduções e induções sobre simples formulações verbais. É capaz de pensar sobre ideias abstractas e de efectuar operações sem estar limitada aos símbolos que representam coisas reais.
      Por volta dos 15/16 anos, pode formular teorias sobre qualquer assunto e é influenciado pela linguagem formal. A linguagem reflecte-lhe significados sobre os quais há um acordo social. Os valores morais são, agora, discutidos e torna-se sensível aos ideais. E atinge a maneira adulta de pensar.

Perspectiva fenomenológica do acto de conhecer: A dicotomia sujeito-objecto no processo do conhecimento

Fenomenologia do conhecimento não é uma descrição genética, mas sim «pura», isto é, uma descrida realidade entanto que tal. A única coisa que a Fenomenologia aspira conhecer é o que significa ser «objecto» de conhecimento (a matéria ou o conteúdo a conhecer) e ser «sujeito» cognoscente (aquele que apreende o objecto) o que dá a entender que conhecer é captar um fenómeno ou aquilo que acontece quando um sujeito (chamado cognoscente) apreende um objecto (chamado «objecto do conhecimento»).

E, como referimos anteriormente, a Fenomenologia do conhecimento é a descrição pura e critica da realidade ou do objecto feita pelo sujeito. Aliás, a pura descrição do conhecimento ou do conhecer põe em relevo a indispensável coexistência, e, de certo modo cooperação, do sujeito e do objecto, elementos que não são admitidos com o mesmo grau de necessidade por todas as filosofias, pois algumas insistem no primado do objecto (realismo em geral), outras no primado do sujeito (idealismo em geral), e as restantes na equiparação «neutra» do sujeito e do objecto.

Todavia, a Fenomenologia do conhecimento não reduz, nem tão pouco equipara, os elementos fundamentais do processo. Porém, reconhece a necessidade do sujeito e do objecto, sem precisar de saber em que consiste cada um deles, isto é, sem se pôr a averiguar a natureza de cada um deles ou qualquer suposta realidade anterior a eles ou resultante da sua fusão.

Fenomenologia do acto de conhecer

Em todo o conhecimento há dois elementos: um «cognoscente» e outro «conhecido», um sujeito e um objecto que se encontram face a face. A relação que existe entre os dois é de conhecimento. A oposição dos dois termos não pode ser suprimida, pois esta oposição significa que os dois termos são originariamente separados um do outro, transcendentes, um relativamente ao outro.

Os dois termos da relação não podem ser separados sem deixarem de ser sujeito e objecto. O sujeito não é sujeito senão em relação a um objecto, e o objecto não é objecto senão em relação a um sujeito.
      Cada um deles apenas é o que é em relação ao outro, isto é, estão ligados um ao outro por uma relação estreita, condicionando-se reciprocamente. A sua relação é uma correlação.
A relação constitutiva do pensamento é dupla, mas não é reversível. O facto de desempenhar o papel de sujeito relativamente a um objecto é diferente do facto de desempenhar o papel do objecto relativamente a um sujeito. No interior da correlação sujeito e objecto não permutável, a sua função é essencialmente diferente.
    A função do sujeito consiste em apreender o objecto; a do objecto em poder ser apreendido pelo sujeito e de forma efectiva.
Considerado do lado do sujeito, esta apreensão pode ser descrita como uma saída do sujeito da sua própria esfera e como uma incursão na esfera do objecto, a qual é, para o sujeito, transcendente e heterogénea. O sujeito apreende as determinações do objecto e, ao apreendê-las, fá-las entrar na sua própria esfera.

O sujeito não pode captar as propriedades do objecto senão fora de si mesmo, pois a oposição do sujeito e do objecto não desaparece na união que é o acto de conhecimento: permanece indestrutível. A consciência dessa oposição é um aspecto essencial da consciência do objecto. O objecto, mesmo quando é apreendido, permanece para o sujeito algo de exterior; é sempre o objectum, quer dizer, o que está diante dele. O sujeito não pode captar o objecto sem sair de si (sem se transcender); mas não pode ter a consciência do que é apreendido sem entrar em si, sem se reencontrar na sua própria esfera. O conhecimento realiza-se, portanto, em três tempos: sujeito sai de si, está fora de si regressa finalmente a si.

O facto de o sujeito sair de si para apreender o objecto não muda nada nele. O objecto não se torna, por isso, imanente. As características do objecto, se bem que sejam apreendidas (como que introduzidas na esfera do sujeito) não são, contudo, deslocadas. Apreender o objecto não significa fazê-lo entrar no sujeito, mas sim reproduzir neste as determinações do objecto numa construção que terá um conteúdo idêntico ao do objecto. Esta construção operada no conhecimento é a «imagem» do objecto. O objecto não é modificado pelo sujeito, mas sim o sujeito pelo objecto. Apenas no sujeito alguma coisa se transforma pelo acto do conhecimento. No objecto, nada de novo foi criado; mas no sujeito nasce a consciência do objecto com o seu conteúdo, a imagem do objecto.

Esta construção operada no conhecimento é a «imagem» do objecto. O objecto não é modificado pelo sujeito, mas sim o sujeito pelo objecto. Apenas no sujeito alguma coisa se transforma pelo acto do conhecimento. No objecto nada de novo foi criado, mas no sujeito nasce a consciência do objecto com o seu conteúdo, a imagem do objecto.

A análise fenomenológica permite-nos constatar a existência de uma relação entre um sujeito e um objecto; mas não nos esclarece acerca das condições dentro das quais ocorre ou decorre esse acto (contextos cognitivos); não nos informa acerca dos mecanismos mediante os quais se realiza a apropriação cognitiva (processos cognitivos); menos esclarece acerca da natureza dos produtos em que se «materializa» o acto de conhecer (produtos cognitivos). Todavia, ao conjunto formado pelos contextos cognitivos e pelos processos cognitivos poderíamos chamar mediações cognitivas. Mas, antes de explicar e desenvolver a sua abordagem.
    O esquema ilustra a intersecção das quatro ovais em que inscrevemos os diversos elementos, reservando o centro para o lugar do sujeito, enquanto ponto de convergência de todas as mediações.
      Ora, um ser humano concreto, o sujeito, ao entrar em contacto com a realidade empírica, a Natureza ou com o mundo espiritual nunca se apresenta em estado puro, como nunca é puro o objecto cognoscível.

Os actos cognitivos mediante os quais o sujeito procede à apreensão cognitiva do real estão já duplamente condicionados:
  • a)    Pelas mediações cognitivas: sejam elas os padrões de cultura ou os dispositivos linguísticos (linguagem em que se verte o conhecimento), sejam as relações sociais com os outros sujeitos cognoscentes.
  • b)    Pelos sentimentos, pelas expectativas e até pelas impossibilidades ou possibilidades dos órgãos sensoriais.
  • c)     Pelos processos cognitivos, que se foram desenvolvendo desde a infância à idade adulta, como sejam: o seu sistema preceptivo, a sua imaginação, a sua capacidade de abstracção e de conceptualização, a maior ou menor capacidade de juízo e de raciocínio, etc.
Portanto, da interpenetração e conjugação das mediações e dos processos cognitivos em interacção com a realidade empírica ou espiritual, resultam os produtos ou suportes da cognição: as imagens, os conceitos, os juízos, os discursos, etc.
      Em suma, será que, numa perspectiva fenomenológica, o conhecimento é o resultado da apreensão dum objecto por um sujeito? A função do sujeito é de apreender o objecto, a do objecto é de ser apreendido pelo sujeito efectivamente.


Bibliografia
CHAMBISSE, Ernesto Daniel; COSSA, José Francisco. Fil11 - Filosofia 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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