A religião como um fenómeno sócio-cultural
A religião como um fenómeno sócio-cultural
Durkheim (1996),
embora se tenha baseado em estudos antropológicos de sociedades primitivas,
considerava a religião como um fenómeno universal; daí o facto de ter estudado
o sistema religioso em diferentes contextos históricos, sociais e culturais,
tentando entender a essência comum e as funções que a religião desempenha nas
diferentes sociedades e o que explica a sua origem.
Segundo este autor,
não há sociedade sem religião e muito menos existe sociedade, por mais
primitiva que seja, que não apresente um sistema de representações colectivas
relacionadas à alma, à sua origem e ao seu destino. Para o autor, a realidade
simbólica da religião é o núcleo da consciência colectiva e como acto social, a
religião transcende o indivíduo e é a condição primordial da integração e da
manutenção da ordem social.
Durkheim refere
ainda que a religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas
a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem
numa mesma comunidade moral todos aqueles que a ela aderem.
Portanto, por detrás
de toda a manifestação religiosa (ritos, cultos, crenças adorações, etc.) está
a sociedade, pois foi ela que criou a sua concepção religiosa. Deus, por
exemplo, que é a concepção mais forte dentro do sagrado, é uma forma de
mitificação de meras leis, usos e costumes, valores e tradições de um grupo
social. O culto a Deus é no fundo um culto à própria sociedade e a religião é
apenas uma forma suprema de consolidar o social, perpetuar a cultura e
reafirmar e actualizar simbolicamente os valores colectivos.
A religião
impõe respeito e é uma das formas de sanção social, pois trata-se de um
conjunto de normas super-humanas que controlam o social das tendências
constrangedoras da ordem social.
Edward Tylor (1871)
afirmava que para o Homem primevo, tudo é dotado de alma, e esta crença
fundamental e universal não só explica o culto aos mortos e aos antepassados,
mas também o nascimento de deuses.
Para Radcliffe-Brown
(1999) a religião estabelece normas consuetudinárias (sanções legais), normais
morais (sanção da opinião pública) e normas sobrenaturais (sanção da
consciência), são estas três maneiras de controlar o comportamento humano.
Max Weber (1997)
considera que a religião tem desempenhado um importante papel de controlo
social. Para ele, a religião é universalmente uma reacção e a medo, proporciona
ao Homem explicações para os problemas angustiante com o mal, injustiça e a
morte.
À semelhança de
Radcliffe-Brown, para Talcott Parsons, a religião tem uma função crucial que
consiste em resolver três graves problemas da humanidade: as incertezas
cognitivo-emocionais, a escassez de recursos materiais e o desajustamento social.
Portanto, a religião
pode ser entendida como crença sobrenatural que a sociedade humana admite e
celebra, sem provas ou evidências empíricas sobre a sua existência, e envolve
doutrinas, sentimentos e ritos socialmente institucionalizados (RAMOS, 1992)
Assim, a religião
como um subsistema sócio-cultural é composta por dogmas (conjunto de
verdades inquestionáveis); moral (normas de comportamento) e liturgia
(o ritual relativo ao culto).
Características
da religião
- Existência de entidades sobrenaturais que criaram e controlam o mundo natural e ordem social.
- Em qualquer tempo (passado, presente e futuro) há uma efectiva intervenção sobrenatural nos assuntos do mundo, ou seja, as entidades sobrenaturais comandam o destino da humanidade.
- Procedimentos de reverências e de súplica por meio dos quais o grupo solicita protecção de forças sobrenaturais. O grupo acredita que a vida e morte e os acontecimentos depois da morte dependem da relação estabelecida entre o grupo e as suas entidades sobrenaturais.
- Crenças, rituais, acções e comportamentos individuais ou colectivos, regras sociais ou morais são prescritos e legitimados pela tradição religiosa ou pela revelação divina.
- Em expressão de obediência gratidão e devoção frequentemente na presença de representações simbólicas de entidades sobrenaturais.
- Linguagem, objectos símbolos etc., são elementos particularmente identificados com o sobrenatural e podem, eles próprios tornarem-se objectos de reverência/sagrada.
- Celebração romarias e eventos que marcam e comemoram episódios importantes: nascimento ou morte de divindades, de profetas ou ídolos. Nestas ocasiões há reprodução de ensinamento, sentimentos de comunidades e reconciliação entre os devotos.
Funções Sociais
da Religião
- Ajuda a superar incertezas quanto ao desconhecido, à impotência face à forças da natureza, à vida, à morte e ao futuro.
- Serve para legitimar as desigualdades sociais, a divisão do trabalho, a dominação e a subordinação.
- Ao dar respostas à interrogações e preocupações sobre o sentido da vida, o sofrimento, as incertezas, as injustiças sociais e outros males do mundo, a religião contribui para o equilíbrio psico-emocional do Homem e o estimula a uma acentuada participação na sociedade, visando uma maior coesão social.
- Gera um conforto afectivo-espiritual, isto é, proporciona consolo, alívio e estabilidade emocional nos momentos críticos e dolorosos da vida.
Em períodos de grandes comoções sociais, crises políticas, fome, instabilidades financeiras, etc., a religião funciona como um importante factor de união, de identidade cultural e religiosa.
Bibliografia
JUNOD, Henri Alexandre. Usos e costumes bantu. Editor Arquivo Hist. de Moçambique, Tomo I, Maputo, 1996.
MEDEIROS, Eduardo. Os Senhores da floresta: ritos de iniciação dos rapazes Macuas e Lómuè, p. 16-24.
RODRIGUES, Donizete. Sociologia da religião: uma introdução. Edições Afrontamento, Porto, 2007.
TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia Sócio-Cultural. Universidade Pedagógica Sagrada Família, s/d. p. 47-57.
VILANCULO, Gregório Zacarias. Manual de Antropologia Cultural de Moçambique. Universidade Pedagógica: Maxixe, s/d.
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