O lobolo em Moçambique: “um velho idioma para novas vivências”
O lobolo em Moçambique: “um velho idioma para novas vivências”
O lobolo é uma prática cultural por meio da qual
se unem duas pessoas (homem e mulher) pelo casamento condicionado ao pagamento
real ou simbólico de um dote. Este dote pode ser uma enxada, uma cabeça ou
várias de vaca, dinheiro em numerário ou outros bens de natureza ou pecuniária.
O jovem que tenciona
contrair o casamento informa os seus tutores (pais ou padrinhos) sobre a sua
intenção e estes marcam uma agenda de visita à família da pretendida noiva com
a finalidade de participar-lhes da pretensão do seu filho/afilhado. Uma vez
recebidos os hóspedes estabelecem-se garantias, designadamente uma lista
contendo a descrição dos itens que serão objectos do próprio lobolo. A lista
incluir prendas para os pais da noiva, enxadas, dinheiro para os encargos do
cortejo nupcial, bem como a menção da data em que o próprio lobolo será pago.
Chegado o dia marcado,
a família da noiva prepara-se para a cerimónia de maneira especial, pois
cumpre-lhe garantir a hospitalidade ao noivo e aos seus acompanhantes. Na hora
do pagamento do lobolo, as prendas e todos os objectos descritos na lista são
dispostos no meio de uma praça visível. Logo, as duas famílias (a da noiva e a
do noivo) reúnem-se para verificar se o número dos objectos está certo,
indicado uns aos outros se estão ou não completos. É extremamente importante
que haja numerosas testemunhas de modo que se o casamento for mal sucedido não
haja dificuldades de o homem reaver os objectos do lobolo,
Ultrapassada esta
parte, segue-se o acto religioso, logo, o cortejo nupcial, e em seguida os
festejos com abundância de comidas e bebidas alcoólicas. Todos estes actos
solenes selam para sempre a união dos dois nubentes. No entanto, dois grandes
factores podem ser preponderantes para a dissolução do casamento: o
adultério e a esterilidade da mulher.
Ora, embora a
sociedade moçambicana consinta a poliginia (poligamia masculina) não tolera que
a mulher possa estabelecer relações extra-conjugais ou adultérios, sendo estes
actos suficientemente justificativos para o homem exigir a dissolução do
casamento.
A esterilidade
feminina é um outro aspecto que legitima a dissolução do casamento. Ora, visto
que entre os africanos a finalidade procriativa do casamento prima sobre as
outras finalidades (prazer, partilha, afecto, etc.), a dificuldade de
procriação da mulher é tida como um impedimento à manutenção do casamento, pelo
que se declara divórcio. Por conseguinte, o divórcio por adultério ou por
esterilidade da mulher dá direito ao marido de exigir de volta os objectos do
lobolo.
Significação histórica da prática do lobolo
O lobolo como
símbolo de união matrimonial permite que uma das famílias envolvidas adquira um
novo membro, e a outra, o perca. Deste modo, a mulher adquirida, ainda que
conserve o seu apelido (o nome do seu clã) torna-se propriedade do novo grupo
familiar, pertencem a este grupo tanto ela como os filhos que gerar. Não é uma
escrava, nem a propriedade individual do marido, mas uma propriedade colectiva
do grupo.
Junod (1996:257) faz
as seguintes considerações a respeito dos efeitos do lobolo:
- Toda a família do homem toma parte nas cerimónias do casamento, sobretudo no dia em que o lobolo é levado pelo noivo. Os membros masculinos do grupo têm o direito de opinar sobre os bois ou a soma entregue.
- Os irmãos estão sempre prontos a ajudar um dos seus, mais pobre, ao lobolo. Trabalham assim para o grupo.
- A mulher adquirida desta maneira é esposa aparente deles, embora lhes não seja permitido ter relações sexuais com ela. Recebe-la-ão em herança quando o marido morrer (o kutchinga).
- Os filhos pertencem ao pai, vivem com ele, usam o seu apelido (o nome do clã) e devem-lhe obediência: os filhos masculinos fortificam o grupo e os femininos são vendidos em casamento para o benefício desse grupo.
Algumas vantagens
e desvantagens do costume do lobolo para as famílias moçambicanas
O lobolo como uma
prática costumeira de alguns segmentos da sociedade moçambicana tem algumas
vantagens, a saber.
- Ajuda a fortificar a família, a patriarcal, o direito do pai.
- Marca diferenças entre casamentos legítimos e casamentos ilegítimos e, neste caso, substitui o registo oficial do casamento.
- Dificulta a dissolução do casamento, pois a mulher não pode abandonar o marido sem que a este lhe seja restituído o lobolo.
- Obriga os nubentes a terem atenção, um para com o outro.
No entanto, o lobolo
acarreta também algumas desvantagens. Ei-las:
- A mulher reduzida a uma situação de inferioridade pelo facto de ter sido paga. a) A rapariga casa fica a mercê da família do marido. Em caso da morte do marido ela pode ser entregue a um velho asqueroso por quem ela não sente qualquer atracção, por causa de uma velha dívida de lobolo; b) a mulher trabalha para o marido e para os parentes dele, que lhe dão muito pouco em troca; c) no que toca aos filhos, mesmo que ela sinta amor por eles, não lhe pertencem, são propriedades do marido ou do seu grupo familiar.
- O lobolo atribui quase todos os direitos ao marido sobre a mulher, incluindo os de ofendê-la, e a mulher perde até mesmo o direito de protestar.
- No caso de o lobolo e a suma do dinheiro envolvidos não tiverem sido totalmente pagos, podem levantar-se tensões e irritações que muitas vezes criam sofrimentos para o casal e para as respectivas famílias.
Por tudo o acima
descrito, conclui-se que seja falso dizer que o lobolo é um contrato entre duas
famílias com a a finalidade de garantir que a mulher seja tratada decentemente
pelo marido e vice-versa. Parece-nos que em vez de esta prática obrigar os
nubentes a prestarem cuidados recíprocos, serve para legitimar comportamentos
androcêntricos e machistas de índole patriarcal.
Bibliografia
JUNOD, Henri Alexandre. Usos e costumes bantu. Editor Arquivo Hist. de Moçambique, Tomo I, Maputo, 1996.
TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia Sócio-Cultural. Universidade Pedagógica Sagrada Família, s/d. p. 47-57.
VILANCULO, Gregório Zacarias. Manual de Antropologia Cultural de Moçambique. Universidade Pedagógica: Maxixe, s/d.
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