Parentesco, casamento e família em Moçambique
Parentesco, casamento e família em Moçambique
O estudo das
relações de parentesco dentro da Antropologia ocupa um lugar privilegiado.
Nesta parte pretendemos introduzir um conjunto de terminologias técnicas muito
frequentemente usadas no estudo do parentesco, ei-las:
Parentesco: no sentido restrito refere-se aos laços
de sangue, mas num sentido mais amplo, também aplica-se aos laços de afinidade
ou de casamento (parentesco por afinidade ou por casamento)
Laços
de Parentesco:
é a relação que
decorre da posição ocupada pelo sujeito no sistema de parentesco. Pode-se falar
de três tipos de laços de parentesco:
- Laço de sangue (descendência)
- Laço de afinidade (matrimónio ou casamento)
- Laço fictício (adopção).
Descendência: relação do sujeito com os seus
parentes de sangue. Embora o critério de descendência seja biológico, em
Moçambique a descendência obedece à critérios culturais (de descendência
unilateral). Por exemplo, um indivíduo é sempre filho de uma mãe e um pai, mas
na zona norte de Moçambique leva-se em consideração a descendência matrilinear,
enquanto no sul considera-se a descendência patrilinear. Nas sociedades
europeias a descendência é dos dois progenitores (descendência bilateral).
A descendência
matrilinear é também conhecida como descendência uterina, a patrilinear tem
também a designação de descendência agnática, enquanto a descendência
bilateral (de ambos os progenitores) é denominada cognática.
Descendência
unilateral dupla:
acontece em
sociedades que não consideram como preponderante a linhagem matrilinear nem a
patrilinear, porém, orientam-se pela linhagem patrilinear para uns propósitos
(ex: realização de funerais, delegação da herança, etc.), e orientam-se pela
linhagem matrilinear para outros propósitos (ex: o cuidado de crianças, a
atribuição de apelidos, etc.)
Nomenclatura
de parente ou terminologia de parentesco: é o sistema de
denominações das posições relativas aos laços de sangue e de afinidade.
Exemplos de nomenclaturas de parentesco: pai, mãe, irmão, primo, esposa,
cunhado, sogra, enteado, filho, neto, sobrinha, etc. Importa significar que
a nomenclatura de parentesco pode ser descritiva e classificatória.
A nomenclatura de
parentesco descritiva é aquela em que se usa um termo diferente para designar a
cada um dos parentes. Exemplo: papá (pai biológico), mamã (mãe
biológica), mana (irmã biológica mais velha), etc.
A nomenclatura de parentesco
classificatória é aquela em que se emprega indistintamente o mesmo termo para
designar a um grupo de pessoas com quem se tem um laço de parentesco. Por
exemplo, quando se aplica o termo “mamã” para designar à mãe biológica, à irmã
da mãe, ou à madrasta. Também estamos perante a nomenclatura de parentesco
classificatória quando se trata como irmão, ao próprio irmão biológico, ao
primo ou ao filho de uma madrasta.
Clã: grupo de pessoas dotado de nome e de
descendência unilateral, isto é, que deriva de um ancestral comum e que segue
regras de descendência matrilinear/uterina ou patrilinear/agnática e jamais de
ambas simultaneamente.
Os clãs do sul de
Moçambique que seguem a descendência agnática ou patrilinear são designados
patriclãs, enquanto os do norte do país que se orientam pela descendência
uterina ou matrilinear denominam-se matriclãs.
Família: no sentido mais restrito é o conjunto de
pessoas que vivem sob o mesmo tecto. Mas no sentido lato, a família é o
conjunto das sucessivas gerações descendentes de antepassados comuns; já na
linguagem do senso comum costuma dizer-se que a família é a célula básica da
sociedade. Por família, também, pode-se entender como o conjunto de parentes
por consaguinidade ou por aliança ou afinidade.
No entanto, existe
um tipo de classificação da família que se vale dos seguintes critérios: regras
de residência, número de cônjuges, relação de poder e parentesco.
Quanto
às regras de residência, a
família pode ser:
- Patrilocal: aquela que estabelece uma
residência conjunta entre um casal e os pais do homem. Geralmente nas
sociedades meridionais de Moçambique há uma tendência de as famílias
estabelecerem residências patrilocais devido à estrutura e natureza do poder
que se centra nas mãos dos homens.
- Matrilocal: aquela que estabelece residência
conjunta entre o casal e os pais da mulher. Com frequência acontece nas sociedades
setentrionais de Moçambique onde há uma tendência de as famílias estabelecerem
residências matrilocais.
- Neolocal: é a família cujo casal tem uma
residência independente da dos pais de ambos os cônjuges. Este tipo de
residência é mais frequente em sociedades urbanizadas onde o estilo de vida
exige uma autonomia das famílias.
Quanto
ao número de cônjuges,
a família pode
ser:
- Monogâmica: quando a união é de um só homem
com uma só mulher.
- Poligâmica: é a união de um só marido com
várias esposas ou de uma mulher com vários maridos.
- Poligínica: é a família em que o homem é
quem pratica a poligamia, isto é, a união de um marido com várias esposas.
- Poliândrica: é a família em que a mulher é
quem pratica a poligamia, ou seja, a união de uma mulher com vários esposos.
Quanto
à relação de poder,
a família pode
classificar-se em:
- Patriarcal ou
patrilinear: é
a família cujo poder é exercido pelo marido. As famílias patriarcais abundam no
sul de Moçambique, sendo que o patriarcado como uma relação de poder incide
também no casamento, na sucessão, na herança e na estrutura social das
famílias.
- Matriarcal ou matrilinear:
é a família
cujo poder é exercido pela mulher. As famílias matriarcais abundam no norte de
Moçambique, sendo que a mulher exerce o poder indirectamente através do seu
irmão do sexo masculino. É este a quem cabe zelar pela orientação da vida dos filhos
da irmã, cuidar pela iniciação desses filhos e legar-lhes a sua herança em caso
de morte. O papel do pai biológico é quase que passivo, pelo que quando o filho
porta-se mal ou comete uma infração, o pai remete a solução dessa situação ao
tio materno do filho, isto é, ao irmão da mãe do filho.
Quanto
ao parentesco,
a família pode
adquirir as seguintes classificações:
- Nuclear: é a família constituída pelo
marido, esposa e os filhos resultantes dessa união, todos morando juntos numa residência
neolocal. A família nuclear pode ser de orientação, aquela da qual cada
um de nós proveio e a família nuclear de procriação, que é a que cada um
de nós funda ou estabelece.
- Alargada ou
extensa: este
tipo de família constitui-se por um casal, os filhos e os familiares colaterais
(sobrinhos, netos, primos, irmãos, etc.), todos vivendo numa mesma residência
patrilocal, matrilocal ou neolocal.
- Reconstituída: composta por um homem
divorciado ou viúvo com os filhos e uma mulher (a madrasta), ou por uma mulher
divorciada ou viúva com os filhos e um homem (o padrasto), ou ainda, por um
homem e uma mulher, ambos divorciados ou viúvos vivendo juntos com os
respectivos filhos.
- Monoparental: aquela composta só pelo pai
solteiro ou viúvo e os filhos, ou só pela mãe solteira ou viúva e os filhos.
Bibliografia
básica
DE MELLO, Luiz Gonzaga. Antropologia cultural, p. 316-339.
BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos etno-antropoloógicos, p. 289-294.
TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia Sócio-Cultural. Universidade Pedagógica Sagrada Família, s/d. p. 47-57.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia, Antropologia Social. Universidade Aberta, 2002. pp. 123-170.
VILANCULO, Gregório Zacarias. Manual de Antropologia Cultural de Moçambique. Universidade Pedagógica: Maxixe, s/d.
Comentários