Conceito, Objecto e Objectivos da Psicologia
1. Conceito, Objecto e Objectivos da Psicologia
Conceito de Psicologia
Actualmente, a psicologia é definida como sendo ciência do comportamento e da actividade mental. Esta definição encerra em si a dualidade de objecto da psicologia, ou seja, o estudo do comportamento e da actividade mental, ponto de vista que é até hoje assumido por grande maioria de psicólogos e que nos parece mais racional.
Por comportamento se entende aqui como sendo todos os actos observáveis no indivíduo ou no animal incluindo a linguagem e por actividade mental entende-se todo o desencadeamento de processos mentais tais como: a atenção, a percepção, a memória, o pensamento e outros.
Cada ciência diferencia-se da outra pelas particularidades do objecto de estudo. Assim, por exemplo, a biologia tem por objecto de estudo os seres vivos (plantas, animais incluindo o próprio homem), a geografia estuda a terra.
No caso da psicologia, a questão da definição do seu objecto de estudo torna-se muito difícil quando comparado com outras ciências e a compreensão do seu objecto de estudo depende da forma como as pessoas que estão ocupadas com esta ciência concebem o mundo. A dificuldade na delimitação do objecto de estudo da psicologia reside no facto de que desde há muito tempo os fenómenos que se relacionam com a inteligência humana sempre foram considerados fenómenos particulares.
É, de facto, evidente que a percepção, por exemplo, que você tem de uma esferográfica poderá ser diferente da do seu colega ou uma outra pessoa qualquer. É certo também, que a percepção que nós temos sobre um objecto muita das vezes não tem nada a ver com o próprio objecto.
Por exemplo, o desejo que você tem de ir ao futebol não possui nenhuma ligação com o próprio jogo de futebol. Por vezes, podemos desejar ir ao futebol para ver a nossa equipa a ganhar e acontecer exactamente o contrário. Pouco a pouco com a nossa experiência vão se formando as noções sobre as diferentes classes de fenómenos.
Esses fenómenos geralmente relaciona-se com o nosso estado psíquico ou descrevem propriedades de um processo. O desejo de ir ao futebol, por exemplo, é manifestação de um estado. A particularidade destes estados ou processos está em que eles se relacionam com o mundo interior do indivíduo e são diferentes dos objectos que o rodeiam (mundo exterior) e estão ligados ao campo da vida espiritual ao contrário dos objectos e fenómenos reais.
Estes fenómenos agrupados pela denominação de pensamento, vontade, memória, sentimento, percepção, etc., formam aquilo que nós designamos por “psique”, o mundo interior do indivíduo, a sua vida espiritual.
Do ponto de vista etimológico, isto é, do surgimento da palavra “psicologia”, ela vem do grego “psyche” que significa alma, sopro ou espírito e da palavra “logo” que significa razão, conhecimento, ou estudo. Estas duas palavras deram origem àquilo que nós designamos de psicologia.
Portanto, a palavra psicologia significava estudo ou conhecimento da alma. Ao longo do tempo, a palavra psicologia foi tendo vários significados de acordo com o período e concepções doutrinarias da época. Assim sendo, as definições da psicologia foram várias, algumas das quais tinham um carácter eminentemente subjectivo. Por exemplo, alguns entendidos definiam a psicologia como sendo ciência da mente, da consciência, e da experiência consciente.
Objecto e Objectivos da Psicologia
Ao analisarmos o objecto de estudo da psicologia podemos tomar três atitudes fundamentais: a atitude ingénua, a atitude artística, ou atitude cientifica conforme ilustra a tabela abaixo.
Estas três atitudes são tomadas com relação a natureza da própria mente ou seja como a psique é vista e quanto à sua actividade.
A atitude ingénua baseia-se nas opiniões e crenças para compreender os fenómenos. Por exemplo a crença de que a vida das pessoas é governada pelos espíritos dos nossos antepassados. Essa crença faz com que as pessoas acreditem por exemplo que as almas dos mortos vagueiam por entre os lugares escuros ou suspeitos e aparecem perante os nossos olhos em forma de fogo, vento, vozes, etc., atormentando os vivos. Para acalmar os ânimos desses espíritos deve-se praticar rituais próprios como por exemplo uma missa onde são evocados todos os espíritos dos mortos.
Nesses rituais também se sacrificam animais e se derramam bebidas e realizam-se preces pedindo tudo que é de bom para a vida e afastando o mal. A nossa cultura em geral está carregada de crenças deste tipo. Esta forma de estar permite o indivíduo relacionar-se com o mundo e com os fenómenos da natureza construindo a sua percepção sentimentos etc., em relação a eles. Neste sentido o objecto da psicologia é o conhecimento intuitivo das pessoas. As vezes dizemos aquela pessoa foi apossado por espíritos. Ela comporta-se assim porque tem espíritos.
A outra atitude que se pode tomar em relação ao objecto de estudo da psicologia é a atitude artística. A atitude artística baseia-se na intuição e na representação. Os objectos da natureza são vistos como tendo vida. O artista Maconde que esculpe uma madeira da vida ao seu objecto. O pintor que pinta um quadro também dá vida ao seu quadro. Fala com ele atribui acções a esse mesmo quadro. Aqui a psicologia tem como objecto analisar como as pessoas interpretam os fenómenos da natureza tomando como base o facto de que os diversos objectos que circundam o homem podem se lhes atribuir um sentido próprio.
A atitude científica baseia-se na reflexão e na investigação duma forma objectiva dos fenómenos psicológicos usando a experimentação para colectar dados a serem analisados posteriormente. No nosso caso devemos tomar uma atitude científica para compreender os fenómenos psicológicos
Atitudes | Natureza essencial da mente (metafísica) | Atividade da mente (empirismo) |
Ingênua (opiniões e crenças) | Compreensão mitológica e religiosa | Conhecimento intuitivo das pessoas |
Artística (intuição e representação) | Animação artística do mundo e dos objetos | Interpretação artística e representação da mente |
Cientifica (investigação e reflexão) | Psicologia Filosófica | Psicologia como ciência empírica |
Psicologia como ciência da alma
A premissa de que a psicologia era o estudo da alma dominou todo o período que antecede o estabelecimento da psicologia como ciência.
Estamos a falar concrectamente do período que vai até meados do século XIX.
A convicção de que o objecto da psicologia era a alma relaciona-se com a visão dos povos primitivos na qual havia falta de distinção clara entre o corpo e a alma. Esta visão baseou-se fundamentalmente na interpretação materialista primitiva (diferente do materialismo cientifico) dos fenómenos da vida consciente tais como o sono, a morte e o desmaio. Os sonhos eram tidos como impressões da alma que deixavam o corpo durante o sono. A alma era vista portanto como “sósia” do homem quer dizer, as necessidades de sobrevivência desta eram as mesmas que as do homem.
No período seguinte, observou-se uma abordagem baseada no principio da alma dando ênfase à sua essência, estrutura e sua relação com o corpo.
Dos que mais se evidenciaram nestas concepções se destacam Platão (428/427-347 a.C.), com a sua divisão da alma em três partes (alma intelecto, alma coragem, e alma sensual ou concupiscência), Aristóteles (384-322 a.C.) que apoiando-se nas ideias de Platão seu mestre introduz a ideia do estudo da alma usando métodos experimentais (observação) para descrever as manifestações da alma.
As descobertas na medicina feitas por Herofilo Eresistatus (III a.C.) trouxeram novas abordagens em torno do objecto de estudo da psicologia.
Com a descoberta dos nervos e a distinção destes dos ligamentos e dos tendões permitiu o conhecimento entre as funções psíquicas (sensações e movimentos) e o cérebro.
Por isso, considerava-se que as almas dos mortos constituíam as mesmas comunidades que as dos vivos.
Alguns materialistas primitivos defensores deste ponto de vista foram Tales (VII-VI, a.C.), Anaxímenes (V a.C.), Heráclito ( VI-V a.C.). Estes materialistas primitivos, comparavam a alma com as três formas primitivas do mundo (água, ar e fogo). Desta forma, a alma era vista como um órgão material que dá vida ao corpo e, por isso, guiado por um princípio material.
Psicologia como ciência da actividade mental ou da consciência
No século XVIII, surge uma nova época do desenvolvimento marcada pelo crescimento dos estudos biológicos e psicológicos. Com estes desenvolvimentos a ideia da união entre corpo e alma entrou em colapso dando lugar a ideia de que o corpo era uma máquina que se organiza de acordo com os princípios da técnica e que para o seu funcionamento não precisava da alma.
Com o estabelecimento do primeiro laboratório de Psicologia Experimental por Wundt em 1879, o objecto da psicologia passa a ser o do estudo da actividade mental ou consciência.
Com o desenvolvimento da física, a psicologia encontra um suporte para o seu objecto de estudo. Foi a partir da física (Weber e Fechner) que nasceu a psicologia como ciência. Os investigadores que utilizam o método científico fizeram com que a experimentação se estendesse dos fenómenos exteriores aos processos mentais, de modo a que estes fossem entendidos não como magia ou especulação intelectual, mas sim como acontecimentos susceptíveis de serem medidos e avaliados.
A psicologia ganha cada vez mais corpo como ciência e não poderá nunca mais voltar à psicologia introspectiva e à abstracção.
Os avanços da investigação em neurociências e a melhor articulação e comunicação entre os diversos investigadores permitiu que fosse possível ultrapassar o risco de fragmentação, susceptível de acontecer dada a complexidade do objecto da psicologia.
Psicologia como ciência do comportamento
A Psicologia como ciência tem sua origem na primeira metade do século XIX, a partir dos trabalhos dos grandes cientistas como o anatomista Ernest Weber, o fisiólogo Herman von Helmholtz, os psicólogos Wilhelm Wundt, John Watson, Jean Piaget e psicofisiologista I. Pavlov outros.
As pesquisas do século XIX procuraram formular teorias para explicar como os órgãos dos sentidos captam as informações (cores, luzes, sons etc.) descobrindo também a determinação exacta da quantidade de diferença que um ser humano é capaz de distinguir quando lhe pedem para fazer a distinção entre dois pesos diferentes.
Foi precisamente John Watson que revolucionou o objecto de estudo da Psicologia. Ele advogou a utilização de métodos objectivos como a observação, método experimental e testes para o estudo do comportamento. Quanto ao objecto Watson defendia que a psicologia estudasse apenas os comportamentos observáveis como respostas a estímulos externos e não o aspecto interior subjectivo.
Quanto a objectivo fundamental da psicologia ela descreve e explica os factores que condicionam e determinam o comportamento do homem e do animal.
Veja a seguir o quadro de resumo sobre as mudanças que ocorreram em volta do objecto e métodos da psicologia.
O objecto de estudo da psicologia, como você viu, evoluiu ao longo do tempo, começando com a alma; consciência; comportamento e leis do psiquismo. A seguir, vamos mostrar o percurso e as principais mudanças em relação ao objecto, métodos e a finalidade da Psicologia antes e depois de 1879.
Quanto a objectivo fundamental da psicologia ela descreve e explica os factores que condicionam e determinam o comportamento do homem e do animal.
Veja a seguir o quadro de resumo sobre as mudanças que ocorreram em volta do objecto e métodos da psicologia.
O objecto de estudo da psicologia, como você viu, evoluiu ao longo do tempo, começando com a alma; consciência; comportamento e leis do psiquismo. A seguir, vamos mostrar o percurso e as principais mudanças em relação ao objecto, métodos e a finalidade da Psicologia antes e depois de 1879.
Níveis | Objecto, Métodos, Finalidade |
Leis e mecanismos do psiquismo | Objecto: fenómenos psicológicos (processos que acontecem em nosso mundo interno e que são construídos durante a nossa vida. São processos contínuos, que nos permitem pensar e sentir o mundo, nos comportar das mais diferentes formas, nos adaptar à realidade e transformá-la. Constituem a nossa subjectividade. Também podem ser objecto da psicologia o inconsciente, a personalidade e a aprendizagem. Finalidade: descrever, explicar, prever, controlar e compreender fenómenos psicológicos. Métodos objectivos e modernos: observação, experimental, testes etc. Interdisciplinaridade e surgimento de novas áreas de conhecimento implica a existência de novos objectos e métodos. |
3.Comportamento e Processos Mentais | Objecto: Estuda os fenómenos ou factos que não são exteriormente observáveis tais como o pensamento, o raciocínio, o sonho, o sono, a percepção, sensações, as atitudes, compreensão, memorização, etc. são denominados de processos mentais. Finalidade: consiste em descrever, explicar, prever e controlar os fenómenos psíquicos; compreender o que fazemos, como pensamos, sentimos, respondemos a problemas e crises, como aprendemos e nos desenvolvemos intelectual e moralmente, como interagimos com os nossos semelhantes. Comportamento é um conjunto de actos directamente observáveis tais como falar alto, correr, sorrir, chorar, beijar, agredir, dormir. Métodos objectivos: observação, experimental, testes etc. Principais teorias: (1) Behaviorismo de Watson, Skinner; (2) Reflexiologia de Pavlov. |
Consciência (A partir de 1879) Início do período experimental e científico. | Estrutura da consciência (análise dos factos da consciência, a descrição dos seus elementos mais simples, como seja as sensações e as imagens, o estudo das experiências, emoções e percepções nos seus componentes mais simples). Fundado o primeiro laboratório de Psicologia em 1879 (Wilhelm Wundt). Objectivos: reduzir os processos conscientes nos seus componentes mais simples; determinar as leis mediante as quais esses elementos se associam; conectar esses elementos às suas condições fisiológicas. Os objectivos da psicologia devem coincidir com os das ciências naturais. Objecto de estudo é a experiência pessoal como é vivenciada pelo indivíduo. Método usado é introspecção (o sujeito descreve o que sente quando submetido a pequenas sensações de som e luz. Surge a primeira tentativa de separar os estados da consciência e as observações sobre estes. Críticas: (1) o observador tem dificuldade em observar-se a si mesmo, visto que os fenómenos psíquicos possuem uma enorme mobilidade e não coincidem no tempo com a sua observação. Enquanto estão a ocorrer (dores, emoções), a rapidez e a sucessão destes fenómenos impedem, por vezes, que o observador tenha tempo de os analisar, de elaborar uma explicação, dado que os fenómenos não estão a espera de serem observados ou estudados enquanto ocorrem; (2) a tomada da consciência de um fenómeno pode modificar esse mesmo fenómeno; (3) o psicólogo não consegue observar ou estudar estados de espírito ou de consciência. O sujeito está a descrever o que se passa nele, sendo difícil a objectividade. Além disso, há factos que ocorrem no psiquismo e que escapam à área da consciência; (4) um doente mental, uma criança, um animal não dispõem de capacidades verbais e outras que lhes permitem analisar de consciência. |
Alma/Espírito (Antes de 1879) Período précientífico. | Parte imaterial e imortal do ser humano, inclui o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade, o desejo, a sensação e percepção. Preocupação principal é saber o que separa o homem dos animais, segundo Sócrates é a razão cujo lugar ao nível do corpo é a cabeça e a medula seria o elemento de ligação da alma e o corpo. Depois da morte o corpo desaparece e alma fica livre para ocupar outro corpo. É princípio da vida. Existe em todos seres vivos (animais-sensitiva; plantas-vegetativa; e homem-racional). Dois momentos fundamentais: (1) era platónica – alma é imortal separada do corpo; (2) era aristotélica – a alma é mortal e seu pertencimento ao corpo. |
Tabela 2: Evolução do objecto, métodos de Psicologia.
A diferenciação dos objectos de estudo da psicologia foram em grande medida influenciada:
- Pelo uso da introspecção como primeiro método científico;
- Pela separação recente da psicologia da filosofia;
Pela Diversidade de fenómenos psicológicos que não podem ser acessíveis e estudos ao mesmo nível de observação e, portanto, não podem ser sujeitos aos mesmos padrões de descrição, medida, controle e interpretação.
Referências bibliográficas
ALÍPIO, Jaime da Costa; VALE, Manuel Magiricão. Psicologia Geral. EaD – Universidade Pedagógica, Maputo: S/d.
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