Desenvolvimento moral segundo Kohlberg e Piaget

5. Desenvolvimento moral segundo Kohlberg e Piaget

5.1. Desenvolvimento moral

O termo moral provém do Latim mos para afirmar costumes e convenções de um determinado grupo social ou comunidade. A moral quer dizer acto em concordância com os costumes de uma comunidade ética, religiosa.

A moral de mos, mories, costume tem sido diversamente definida como a ciência do governo da vida, a ciência do dever, a ciência do bem, do destino humano, etc.

Como podemos governar a vida sem conhecermos o bem que devemos praticar e o moral que devemos evitar, isto é, o dever?

O fim de um ser, o bem desse mesmo ser, sugere-se que o fim último do homem constitui o bem supremo ao qual deve subordinar todos os outros e cuja posse o tornará sobernamente feliz.

A moral é a ciência das leis ideais que dirigem as acções humanas, é a arte de as aplicar correctamente as diversas situações da vida. Exemplo, o homem tem como ideal o bem, a que deve tender. A moral é sempre uma ciência das acções porque o bem é aquilo que se deve praticar e o dever é essencialmente dever prático. A moral é arte universal que abarca e regula todos os nossos actos.

Os fundamentos da ética são sociais e históricos, neste sentido só o ser social é que age eticamente uma vez que ele é capaz de agir com consciência, liberdade e responsabilidade. Para o homem agir cria valores, escolhe entre estes, incorporando-os nas suas finalidades.

A moral é o conjunto de costumes e hábitos culturais, transformados em deveres e normas de conduta que responde a necessidade de estabelecer parâmetros de consciência social. As normas morais são orientadas por princípios e valores que, quando estão legitimados socialmente funcionam como deveres exigidos aos membros da sociedade tendo por objectivo o bem da comunidade. No plano da moral as acções são valoradas como boas ou más, justas ou injustas, correctas ou incorrectas, etc. E no campo da moralidade que são estabelecidos os juízos de valor.

A moral e os valores são sempre sociais e históricos: são costumes culturais objectivas, inscritas nas relações sociais inerentes à (a) produção da vida social.

Os costumes são considerados como deveres porque são fruto de um consenso social acerca do que é bom para a colectividade. E tal facto, leva a que se crie uma expectativa de que os indivíduos respeitem tais deveres, mas para isso é preciso que eles os aceitem conscientemente como legitimas, dai a necessidade de criar a vinculação entre deveres o dever e a consciência moral, entre carácter social da moral e a sua aceitação subjectiva.

A moral constitui a prática dos indivíduos na sua singularidade e a ética é a reflexão teórica é acção livre voltada ao humano. As normas e os valores não são instituídos pela teoria, mas por necessidades práticas. A teoria pode contribuir para entender esse processo indagando sobre o seu significado e voltando a prática para contribuir na sua transformação.

O desenvolvimento moral refere-se ao modo como a criança aprende a determinar o que é certo e o que é errado, que é (principalmente) a base do princípio da justiça.

5.2. Teoria de Jean Piaget

De acordo com a teoria de Piaget citado por Mwamwenda (2005:130), o desenvolvimento moral da criança divide-se em duas categorias, nomeadamente a moralidade do realismo (moralidade dos constrangimentos ou moralidade heteónoma) e a moralidade da cooperação (moralidade autónoma, moralidade da reciprocidade, moral da flexibilidade e moral do relativismo).

Piaget mostrou interesse pelo desenvolvimento moral da criança através da observação de como é que as crianças interpretavam as regras de jogo dos berlindes. Nas suas observações verificou que o modo como as regras eram interpretadas variava com a idade da criança.

Segundo Piaget a formação da consciência moral na pessoa segue basicamente quatro etapas:

  • ANOMIA (do grego: a – negação e nomos – lei – sem lei). É a etapa do comportamento puramente intuitivo, que se orienta apenas pelo prazer e pela dor. A criança procura o prazer e foge da dor, sem relacioná-los a qualquer norma moral. Para os adultos revela um nível baixo de moralidade, ou seja, falta de responsabilidade e de ideia moral. Exemplo: o caso de um motorista que “voa” ao volante apenas pelo prazer de correr, sem considerar as consequências de seus actos.
  •  HETERONOMIA (do latim: heteros – outros e nomos – lei – lei estabelecida ou imposta por outrém). A criança obedece as ordens para receber a recompensa ou evitar o castigo. Nos adultos, é o caso do motorista que observa as leis de trânsito só para não ser multado.
  • SOCIONOMIA (do latim: socius – companheiro, colega e do grego nomos – lei – lei interiorizada no indivíduo). Os critérios morais da criança vão se afirmando por meio de suas relações com outras crianças. Ela vai interiorizando as noções de responsabilidade, justiça obrigação e respeito. Começa a não fazer aos outros o que não gostaria que fizessem a ela. Agem sempre buscando a aprovação ou evitando a censura dos outros. Nos adultos, é o caso do motorista que dirige preocupado consigo mesmo e, sobretudo, com que os outros pensam dele.
  • AUTONOMIA (do grego: autód- próprio e nomos – lei – lei própria). Nesta fase a criança já interiorizou as normas morais e passa a comportar-se de acordo com elas. Nos adultos, é o caso do motorista que, ao dirigir, orientar-se pelas leis do trânsito e por seus próprios princípios internos de conduta.

5.3. Teoria de Desenvolvimento moral segundo Kohlberg

Kohlberg avaliou o raciocínio moral da criança e adultos, apresentando-lhes dilemas morais, ou situações hipotéticas nas quais as pessoas devem tomar decisões difíceis. Pergunta-se aos sujeitos o que a pessoa que está no dilema deve fazer e por quê. Em tais situações, não há respostas óbvias; nenhuma acção vai oferecer uma solução completa.

Um dos dilemas morais mais comumente usados: esposa de um homem está morrendo. Existe um remédio que poderá salvá-la, mas ele é muito caro e o que químico que o inventou não quer vendê-lo a um preço baixo o suficiente para que o homem possa comprá-lo. Finalmente, o homem se desespera e considera roubar a droga para a sua mulher. O que ele deve fazer, e por quê?

A sua teoria propõe três níveis de moralidade:

Raciocínio pré-convencional (4-10 anos de idade)

As decisões morais são egocêntricas, o que significa que as decisões são baseadas nos interesses pessoais. O julgamento se baseia nas necessidades pessoais e nas regras dos outros.

Estádio I: Orientação da punição-obediência

As regras são obedecidas para evitar a punição. Uma acção boa ou má é determinada por suas consequências físicas. As crianças avaliam-se a elas próprias como boas ou más com base nas recompensas e nos castigos administrados pelos adultos. As regras são percebidas como sendo absolutas e devem ser cumpridas independentemente das circunstâncias. As crianças abstem-se de ter um comportamento inaceitável porque têm medo de ser apanhadas.

A resposta da criança ao dilema pode ser: “errado roubar porque poderá ser apanhado”. A resposta reflecte o egocentrismo básico da criança. O raciocínio pode ser “o que aconteceria comigo se eu roubasse algo? Eu poderia ser apanhado e punido”.

A criança poderia dizer que ele não devia roubar o medicamento porque fazendo isso seria punido e iria preso.

Estádio II: Orientação da Recompensa Pessoal

As necessidades pessoais determinam o que é certo e errado. No ponto de vista da criança o que é certo é o que a faz feliz. A criança inibe-se de ser injusta se os outros não forem injustos com ela.

A criança seria motivada pela recompensa. A criança argumentaria que o marido deveria roubar o medicamento para salvar a vida da esposa porque uma vez fora da prisão, ele poderia usufruir da sua companhia outra vez.  

Raciocínio Moral Convencional (Adolescentes e Adultos)

Centrado no social – tem em conta os interesses dos outros numa determinada sociedade. O sujeito é capaz de olhar para além das consequências pessoais imediatas e considerar o ponto de vista, e especialmente a aprovação dos outros. Exemplo, “roubar é errado porque é contra lei”. Outra resposta dando um valor alto à lealdade, à lealdade, à família e aos entes queridos, mas ainda respeitando a lei, seria: “é certo roubar porque o homem tem boas intenções – ele está tentando ajudar sua mulher”. “Mas ele ainda vai ter que pagar o químico quando puder, ou aceitar a penalidade por infringir a lei”.

O julgamento baseia-se na aprovação dos outros, nas expectativas familiares, nos valores tradicionais, nas leis da sociedade e na lealdade ao País.

Estádio III: Orientação do/para o bom menino-boa menina

As crianças evitam envolver-se em comportamentos inaceitáveis, de forma a impressionar os seus pais e mostrar que são boas. As crianças portam-se bem mais para ir ao encontro da aprovação dos outros do que por acreditarem nos princípios morais. O bom significa “agradável”. Ele é determinado por aquilo que agrada e é aprovado pelos outros.

A criança poderia dizer que roubar o medicamento seria compreensível porque se ele não o fizesse, as pessoas poderiam pensar que ele era insensível e que não amava.

Estádio IV: Orientação para a ordem e lei (da lei e da ordem)

A lei serve como princípio orientador para que as pessoas recusem envolver-se em certos comportamentos, na medida em que esse comportamento for proibido por lei. É compreendido que a lei deve ser mantida a todo custo. Se as leis não forem observadas e obedecidas, o caos é provavelmente instalado. A aceitação da pessoa perante a sociedade depende do seu conformismo para com as leis. A autoridade deve ser respeitada e a ordem social mantida.

A pessoa poderia dizer que roubar é contra lei e, por conseguinte, o marido não deveria roubar.

Raciocínio Moral Pós-Convencional

Nem é egocêntrico nem social, mas autónomo no seu juízo. As pessoas mantêm princípios de justiça que transcendem as leis existentes e as convenções aceites.

Exemplo, “a pessoa do pós-convencional teria um ponto de vista semelhante roubar porque iria violar a lei, mas se roubar para puder salvar uma vida, ela violaria a lei”.

Estádio V: Orientação para o Contrato Social

Neste estádio existem situações em que as leis podem ser quebradas a que as leis são injustas, devendo ser alteradas. Também é sustentado que as regras devem envolver acordo mútuo e que devem ter como objectivo proteger os direitos individuais. A mudança da lei compreendida para alterar a interpretação do que é certo ou errado. Nada é absoluto. O bem é determinado por padrões socialmente aceites de direitos individuais.

Exemplo, “a pessoa diria que as pessoas têm o dever de salvar uma vida humana”.

Estádio VI: Orientação do Princípio Ético Universal

Os princípios são baseados na vida humana. É sustentado que o conceito de justiça está além da ordem estabelecida e da justiça universal. Quem opera neste estádio tem um interesse permanente entre as pessoas, na regra de outro “faz como tu gostarias que te fizessem, na dignidade humana e na universalidade desses princípios”.

Exemplo, “a pessoa poderia argumentar que seria moralmente errado não roubar quando está em jogo uma vida humana. A importância e o carácter sagrado da vida está acima do ganho”.

O bem e o direito são questões da consciência individuais e envolvem abstractos de justiça, dignidade humana e igualdade.

5.4. Implicações Educacionais

O nosso objectivo como educadores deveria facilitar o desenvolvimento moral dos nossos estudantes, de forma a atingirem um estádio de desenvolvimento o mais elevado possível. O que conta na vida não é tanto nós conhecermos a Física, Matemática ou Geografia, mas a forma como nos relacionamos connosco próprios e com os outros com base nos princípios de justiça.

O desenvolvimento moral não pode ser desenvolvido simplesmente pelo ensino aos alunos do princípio de justiça. Eles devem ser expostos a uma discussão sobre o princípio de justiça. Isto possibilitar-lhes-á justificar que os princípios que eles utilizaram no seu raciocínio anterior não são adequados para chegar à solução, e que então, eles devem encontrar novas estratégias. As crianças devem ser levadas a compreender que fazer uma coisa certa meramente para receber a aprovação dos outros não é a base para tomar uma decisão moral. Também devia ser incentivado aos alunos que qualquer comportamento observado não deve ser julgado isoladamente, mas que as circunstâncias que levam a esse comportamento devem ser analisadas.   

 

Bibliografia

MWAMUENDA, T.S. Psicologia Educacional, Uma Perspectiva Africana. Maputo, Texto Editores, 2005, págs.130-138.

RODRIGUES, A. & BILA, L. V. Módulo de Psicologia de Desenvolvimento e de Aprendizagem. Maputo. Universidade Pedagógica. S/d.

Comentários