Necessidades educativas especiais. Que desafios para Moçambique?
Necessidades educativas especiais. Que desafios para Moçambique?
4.1. Quadro Normativo
Considera as leis do
país no quadro das NEE suficientemente claras e acessíveis (divulgadas nas
escolas e nos serviços de informação pública)? É capaz de identificar alguns aspectos
que podem ser melhorados a nível do quadro legislativo?
Um dos principais
desafios com que o país deverá enfrentar nos próximos anos no campo das NEE
prende-se com a criação de um quadro normativo claro. A adopção de práticas de
educação inclusiva para a qual caminhamos pode revelar-se um passo em falso se
não alicerçada sobre um forte dispositivo normativo.
A lei-quadro do
sistema nacional de educação reza, no número 1 do art. 25, que a educação de
crianças com NEE realiza-se, em princípio, através de classes especiais nas
escolas regulares.
A nossa experiência
mostra que este dispositivo está em parte superado. Mesmo quando os alunos
iniciam a escolarização numa classe especial, geralmente, no final do ensino
primário ou nos primeiros anos do ensino secundário, os alunos são integrados
nas turmas regulares.
A opção pelo termo
“integração” revela-se acertada para descrever a situação porque, embora
inspiremo-nos no princípio da inclusão, acabamos colocando os alunos em turmas
regulares sem que estas estejam preparadas para recebe-los. A esta prática,
chamamos integração (simples aceitação de alunos com NEE na turma regular).
Uma verdadeira
inclusão deverá ser acompanhada por um dispositivo normativo que tutele os
direitos dos alunos com NEE nas turmas regulares e que acautele eventuais danos
que possam ser causados pela presença destes naquelas.
A adesão a
protocolos internacionais sobre a educação de pessoas com NEE (lembremo-nos,
dentre outros, da Declaração de Salamanca) deve fazer-se acompanhar pela sua
adaptação a nível interno. De facto, os protocolos internacionais indicam os
princípios, ao país cabe estudar a possibilidade de implementação destes
princípios no contexto nacional.
Se pensar global é
uma atitude que encorajamos (podemos recolher experiências de outras
realidades), agir localmente é uma questão de urgência.
4.2. Repensar o currículo
Considera o
curriculum, particularmente o modo como as aprendizagens são avaliadas,
suficientemente flexível e adequado para os alunos com NEE? O que pode ser
melhorado a este respeito? Em nossa opinião, a criação de uma legislação
específica para a educação de alunos com NEE não deve marginalizar a dimensão
curricular. Esta é uma discussão iniciada noutras lições. Cabe-nos relembrar
que a adopção de práticas de flexibilização curricular como o Plano Educativo
Individualizado deve ser algo definido por princípios ou leis que confiram o
mínimo de operacionalidade a estes dispositivos (pensemos no contraste que
seria a adopção de um plano educativo individualizado produzido localmente e o
uso simultâneo de um exame final centralmente definido).
4.3. Infra-estruturas/matérias especiais
Ao longo do módulo
falamos em adaptações curriculares por meio do Plano Educativo Individualizado.
Esta prática tem em vista remover barreiras/obstáculos à aprendizagem dos
alunos. Lembra-se do princípio do obstáculo discutido na primeira unidade? Este
princípio pode ser aplicado na análise da construção escolar.
Neste sentido,
falamos de barreiras arquitectónicas, isto é, de elementos da planta física
escolar que podem limitar a participação activa de alunos com NEE,
particularmente daqueles com dificuldades físicas.
Assim, a presença de
rampas e outras adaptações arquitectónicas não pode ser algo opcional. De
facto, antes de o aluno chegar à sala terá de percorrer um espaço físico que em
si só pode representar uma barreira (arquitectónica) para a inclusão. A
tentativa de remoção de todas as barreiras conduz a uma maior acessibilidade,
isto é, a maiores facilidades de todos os alunos no acesso aos compartimentos
escolares, desde as salas de aula, passando pelas secretarias, casas de banho,
pavilhões desportivos, etc.
Para além desta
precaução, deve reconhecer-se a necessidade de dotar a escola de alguns
materiais especiais que podem fazer a diferença para aqueles alunos que têm
algumas dificuldades de aprendizagem derivada do âmbito físico. Pode ser
necessário equipar as salas com um quadro especial, computadores especiais,
máquinas braille, matérias de amplificação de sons, por exemplo.
4.4. Formação docente (e não só)
Qual é o papel da
formação psicopedagógica no exercício profissional do professor?
O professor na
qualidade de formador das gerações mais novas deve passar por um processo de
formação. Esta preocupação é tanto mais urgente quando o professor trabalha com
alunos com NEE. Pare e pense: se é professor e trabalha numa escola inclusiva,
possui alguma formação para tal? Se sim, não a considera relevante para a
melhoria da sua prática docente? Por exemplo, o estudo deste módulo não o
ajudou a melhorar a sua relação com os alunos com NEE? Se a resposta às últimas
duas questões foi positiva, significa que a formação é um elemento chave na
política de educação inclusiva.
Assim, o caminho
rumo à inclusão será marcado também pelos meios que fornecemos aos professores
para que enfrentem as necessidades mais complexas de alunos que passam de
escolas/turmas especiais para escolas/turmas regulares, por exemplo. A
preparação deve começar pela formação inicial mas também abranger os
professores em exercício.
Um dos elos fracos
das nossas escolas inclusivas tem sido a falta de formação do pessoal que lida
directamente com os alunos com NEE.
A formação não é só
uma necessidade de quem vai trabalhar numa escola especial (aliás, assumimos
que os professores afectos em escolas especiais são geralmente especialistas na
sua área de trabalho). Nas turmas regulares, particularmente a partir do último
ciclo do ensino primário, assistimos a estudantes que usam a língua de sinais
colocados sob os cuidados de professores que desconhecem a língua de sinais (ou
pior, a confundem com gestos do quotidiano) e nem se fazem acompanhar de um
tradutor. Não defendemos que todos os professores das escolas regulares devam
dominar a língua de sinais, por exemplo, mas pode ser útil colocar à sua
disposição um tradutor.
Assim, para além dos
professores, pode ser útil o recurso a outros profissionais, como as figuras do
psicólogo escolar e assistente social, praticamente ausentes nas nossas escolas.
4.5. Educação especial
A educação especial
foi caracterizada como a primeira modalidade de atendimento de alunos com NEE.
Com o tempo, a ela foi se juntando a educação integrada e a educação inclusiva.
Com base na sua experiência, considera a educação especial um assunto do
passado ou uma tipologia ainda útil no presente?
Adoptando políticas
de educação inclusiva, podemos incorrer no erro de descuidar da educação
especial. Não se trata de optarmos por uma ou outra educação. Sempre teremos
alunos que se enquadram bem numa ou noutra escola, ou que em determinados
períodos da vida precisem de frequentar escolas especiais mas podem ser
(re)conduzidos a uma escola inclusiva.
O desenvolvimento de
um país rumo à inclusão mede-se também pela atenção que se dedica à educação
especial. Os investimentos nas escolas inclusivas não podem servir para desviar
a nossa atenção dos investimentos a serem feitos no campo da educação especial,
para todos os alunos que realmente precisem dela.
4.6. Abordagem em rede
Está lembrado da
ideia de abordagem em rede no atendimento de alunos com NEE?
O que acha dela?
Para uma resposta cabal aos desafios impostos pela necessidade de dedicar uma
atenção educativa especial para alunos com NEE deve-se reforçar de modo
particular o princípio de ligação escola-comunidade. Os nossos alunos
vêm de uma comunidade e para ela retornam após as aulas.
É importante que a
escola seja por lei aberta à participação de todos os actores sociais que se
julgue necessários para o sucesso educativo de pessoas com NEE, evitando
delegar a responsabilidade do cuidado do aluno com NEE ao apenas ao professor.
Trata-se de abraçar
os recursos da comunidade para ajudar o aluno a realizar no máximo o seu
potencial. Este princípio não deve representar apenas uma possibilidade, deve
sobretudo ser algo vinculativo, isto é, uma necessidade vital da escola que se
coloca ao serviço de alunos com NEE.
O que estamos
afirmando, em síntese, é que a ligação entre a escola e a comunidade a serviço
de alunos com NEE não deve ser uma iniciativa isolada e esporádica de cada
escola ou professor, mas uma prática generalizada para toda a escola como
instituição e para toda a rede escolar.
4.7. Para além da escola…
De quem é a
responsabilidade de incluir o aluno com NEE na escola? Do director? Do
professor? Ou da comunidade como um todo? Uma escola inclusiva deve fazer parte
de uma sociedade inclusiva, deve, isto é, abraçar a inclusão como um princípio
vital que se aplica a todas as situações do convívio social.
Uma sociedade
inclusiva prima pela solidariedade, pelo respeito pela diversidade, pela
igualdade de oportunidades, entre outros princípios que (não sendo atitudes
pietísticas ou preconceituosas), reconhecem a diversidade do género humano como
uma riqueza e não um défice.
A ideia de
deficiência física passa a ser lida não como inaptidão, (não-)habilidade e sim
como uma diversa habilidade.
Isto pressupõe que
nos questionemos sobre o lugar que as pessoas com NEE particularmente evidentes
ocupam na sociedade e sobre as políticas sociais a favor deste segmento, sobre
o modo como são construídas as nossas cidades, escolas, o modo como
comportamo-nos na via pública perante pessoas convivendo com deficiência, sobre
as representações sociais da deficiência (particularmente sobre a imagem que os
meios de comunicação social transmitem delas), etc.
Se o respeito pela
sua diversidade é um direito que assiste às pessoas com NEE permanentes, o
dever de respeitá-los incumbe-se à sociedade.
Finalmente, e porque
a escola constitui o sistema de referência para a aptidão ou inaptidão em
muitos campos da experiência humana, escolas fortemente fechadas podem fechar
as portas da sociedade para os alunos com NEE.
Bibliografia
FAIFE, Jofredino. Módulo de Necessidades Educativas Especiais. Centro de Educação Aberta e à Distancia – Universidade Pedagógica, Maputo: 2016.
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